Selvagens


Hoje de manhã vi de longe a capa deste Diário Gaúcho. Como eu passei o domingo meio desligado e não tinha visto os resultados da rodada, pensei que a foto do incêndio tinha sido feito no jogo do Corinthians, com aquela torcida de ignorantes…

Foi uma surpresa descobrir que o fato aconteceu no Grenal de ontem. Os dois times estão numa fase razoavelmente boa (o Grêmio, bem, está de volta à 1ª e o Inter, bem, está com sorte na Libertadores) e o clássico tinha tudo pra ser um belo jogo. Como sempre é. Mas meia-dúzia de ignorantes foram lá e acabaram com a festa.

Lendo o relato do Tiago, abaixo, lembrei-me do que aconteceu na final da Libertadores do ano passado, quando meia-dúzia de ignorantes da torcida são-paulina saiu do Morumbi e foi “comemorar” o título na Paulista, ateando fogo no metrô, saqueando várias lojas e deprededando bens públicos. Uma vergonha pro resto da torcida.

Ficar pedindo “paz no futebol”, como todos estão fazendo, nunca resolveu o problema. E já que estamos cansados de ver violência gerar violência, proponho um pensamento mais de acordo com a atual realidade: os selvagens – gremistas, colorados, são-paulinos, corinthianos – que se matem!

O GREnal mais quente do ano

Sim! Eu estava lá! E antes de mais nada quero tranqüilizar a todos (ou decepcionar) dizendo que nada sofri fisicamente. Mas bem que poderia!

O salão de festas é nosso! A gente faz lá o que bem entender! E numa noite fria como a de hoje, até que uma fogueirinha cai bem!

Brincadeiras e provocações a parte,

Reconheço que talvez eu devesse esperar a repercussão dos acontecimentos na mídia antes de publicar este texto, mas o calor da hora (se soou trocadilho foi sem querer) vai me ajudar a contar mais esta história com a emoção o mais crua possível.

Minha irmã, assustada com o que viu na TV, me disse o que a cobertura narrava sobre o incidente. Nessas horas eu prefiro prestar mais atenção nos adjetivos da narrativa, pois o fato em si eu vivenciei. Todos condenando os atos da torcida, que ateou fogo nos Pipimóvel® e partiu de Avalanche® pra cima dos pobres policiais. Deixem-me partir do princípio e vamos ver se a óptica continua a mesma.

Domingo, 30 de julho de 2006, 17h20min. Eu tinha almoçado na casa do meu tio, por isso estava chegando no estádio na direção de quem vem do shopping Praia de Belas. Um mar vermelho, como eles mesmos gostam de chamar, dominava a paisagem por todos os lados. Eu, no meio de todos eles, com a camisa do Grêmio e uma jaqueta preta que não a cobria por completo. Nesta hora eu ainda não sentia medo, pois o povo gaúcho é sim civilizado o bastante para não confundir futebol com guerra. Era só não olhar atravessado pra ninguém que eu certamente não arrumaria problemas. O máximo que ouvi foi um “pra quê vir com essa camisa?” num tom espontaneamente amistoso.

Logo vi o cordão de isolamento dos policiais que separava as torcidas e um deles me orientou para onde eu deveria seguir com meu irmão e minha bela camisa listrada. Pronto! Qualquer resquício de tensão que ainda pudesse sobreviver em nossas mentes se foi.

Fomos mandados para uma área distante da torcida adversária – e da imprensa também – mas o portão destinado ao Grêmio ainda não tinha sido aberto e faltava menos de meia-hora para o jogo começar. Resultado: cerca de cinco mil gremistas aglomerados e ansiosos. A meia dúzia de mais exaltados (e estimulados…) começou a se manifestar e a polícia precisou tomar providências para organizar uma fila antes de liberar nossa entrada. E tomou…

A tática inteligentíssima e realmente eficaz era simples: de um lado a cavalaria, policiais empinando seus cavalos atropelando os torcedores literalmente e, pasmem, desembainhando espadas (isso mesmo, ESPADAS!) para jogar a multidão para o outro lado, que lado? O lado do batalhão de choque que nos aguardavam sádicos com seus cassetetes como rebatedores de basebol. Só que o que eles rebatiam eram pessoas. Entre as quais, mulheres e crianças, que a essa altura já choravam apavoradas e arrependidas de terem saído de casa para… se divertir.

E no meio dessa multidão se empurrando e sendo pisoteada num cenário montado que se assemelhava muito às descrições de antigas batalhas campais lá estava eu, acuado, amedrontado, tentando proteger e tranqüilizar o meu irmão, sem saber sequer ao certo como ME proteger ou ME tranqüilizar. Há sete anos, com a morte do meu pai, senti que meu papel dentro da família cresceu em importância e minhas responsabilidades aumentaram vertiginosamente. Mas confesso que durante todo esse período minha missão nunca foi tão difícil quanto naquele momento de pânico antes de uma simples partida de futebol. Eu não tinha idéia de contra o que eu devia me proteger e nem para onde eu poderia fugir.

Passado esse pesadelo, pudemos entrar no estádio aos empurrões.

Lá dentro, GREnal é GREnal e vice-versa; o jogo pegado, as torcidas interagindo e fazendo uma festa bonita. Com a exceção daquela meia dúzia de mais exaltados, que também conseguiu entrar e trouxe consigo os banheiros ecológicos instalados para a arquibancada, e foram arremessando-os sistematicamente um a um para dentro do campo e queimando-os, como protesto contra os atos desmedidos dos policiais (e pra falar a verdade não foi nada perto do que ja tinha acontecido, pois a rigor nao fizeram mal a ninguem além de sua própria imagem aos olhos de quem teve uma noção parcial dos fatos).

DEIXO BEM CLARO QUE NÃO ESTOU JUSTIFICANDO O OCORRIDO, APENAS MOSTRANDO QUE ELE PODERIA MUITO BEM TER SIDO EVITADO.

Como acabaram-se os banheiros, a meia-dúzia – que depois de duas oportunidades que teve a brigada, não foi retirada do estádio – resolveu provocar os adversários e destruir as grades de contensão.

E a polícia finalmente agiu contra eles. Contra eles e contra os outros 4990 gremistas que, inocentes, foram realmente apenas assistir ao jogo. Sim, porque o espetáculo teria que ser tão plástico quanto foi o incêndio dos baderneiros, precisava abrir um clarão no meio da torcida para mostrar serviço, e eles vieram com bombas de efeito moral e bazucas com balas de borracha, que eram apontadas diretamente contra torcedores a esmo, como numa competição de tiro ao alvo.

A partida recomeçou dentro de campo depois de duas paralisações, mas não para nós, os outros 4990, que assistimos ao fim do jogo espremidos, agachados e apreensivos a cada estampido mais forte, mesmo quando vinha da bateria que rege os cânticos da torcida.

Na saída, uma frase emblemática de uma das crianças que eu vi chorando ao entrar no estádio: “Não vamo por ali, papai. Ta cheio de polícia!”.

PLAAAAAAAACA ! ! !

EPTC

OF.ASSEJUR nº1090/2006
Porto Alegre, 29 de junho de 2006.

Ilmo senhor:

Comunicamos a vossa senhoria que na madrugada do dia 27/01/2006, o automóvel dirigido por V.Sª, colidiu com uma placa de sinalização existente na Av. Icaraí, próxima à rua Chuí, danificando a referida placa, bem como o poste que a sustentava.

Do referido sinistro resultaram prejuízos ao erário público, tendo em vista a necessidade de conserto da sinalização. Assim sendo, solicitamos que V. Sª, entre em contato com a Assessoria Jurídica da EPTC, no endereço a seguir: AV. èrico Veríssimo nº 15, prédio “F”, fone 3289 4250, a fim de prestar esclarecimentos e possibilitar acordo para ressarcimento de danos.

Atenciosamente,

Assessora Jurídica da EPTC.

(sic.)

Em primeiro lugar, não precisa me comunicar, eu estava lá e tenho testemunha (né rafael?). Segundo, a EPTC precisa de um redator melhorzinho. E, finalmente, não é pra isso que eu pago IPVA e seguro obrigatório???

Conspiração

A sucessão de peripécias que os mostoristas de ônibus fazem para me deixar esperando daria um filme. O último conduziu o veículo DISPLICENTEMENTE pela Silveiro, parando no sinal fechado – quando, obviamente, o têdoizá passou voando pela José de Alencar, como o Eto’o faz no Barça.

Estou começando a ligar os fatos, mas ainda é muito cedo para dar pistas. Se por acaso eu sumir, é porque eles decidiram que eu sou perigoso e resolveram tomar uma atitude. Ou, mais provável, é porque estarei na parada esperando o ônibus.

Orgulho da Seleção

A Globo começou a exibir esta semana uma chamada para os jogos da Liga Mundial de Volei. A vinheta mistura mensagens positivas de jogadores como Giba e Ricardinho, e do técnico Bernardo Resende, com belas imagens onde atlétas da Seleção Brasileira de Volei atacam, defendem e comemoram – tudo sobre uma trilha sonora à lá “Esporte Espetacular”. É emocionante mesmo, mas tem um detalhe ridiculamente oportunista: a mensagem que a vinheta tenta passar é de que “esta é a verdadeira Seleção Brasileira que caminha para o Hexa”.

É quase um insulto ter que ouvir isso depois da overdose de favoritismo que a Globo e a mídia toda promoveu para a patética apresentação do nosso futebol na Copa da Alemanha. E digo mais: é uma mentira, um grande erro procurar semelhanças entre as duas Seleções e suas campanhas rumo ao Hexa.

A primeira grande diferença está na renovação do time. Nas Olimpíadas de Atlanta (1996), por exemplo, a Seleção brasileira de Volei era composta basicamente pelos mesmos jogadores que haviam conquistado o inédito 1º lugar nos jogos de Barcelona (1992). No entanto, o rótulo “Geração de Ouro” não bastou e o Brasil, mesmo favorito, foi eliminado nas quartas-de-final tanto em Atlanta quanto em Sydney (2000). Quando se iniciou um processo de renovação da Seleção, apartir de 2001, a situação mudou consideravelmente: medalhistas olímpicos como Giovane, Tande e Maurício passaram a dividir a quadra com novos jogadores, como Giba, Nalbert, Dante e Ricadinho, que vinham se destacando na Superliga. A troca de experiência entre atlétas veteranos e novatos deu muito certo, o que resultou na conquista do Bi Olímpico de Atenas (2004). Para a Liga Mundial, atlétas como Sidão, Murilo e o craque Manuel se detacaram na Seleção de Novos e podem ser titulares na corrida pelo Hexa.

Os técnicos das Seleções são também outro ponto de contraste. Ao contrário daquelas múmias conservadoras da CBF, Bernardinho foi decisivo para o processo de renovação quando assumiu a equipe masculina em 2001. Além disso, o ex-jogador e ex-técnico da Seleção feminina criou esquemas táticos inovadores graças à sua inteligência e obstinação pela perfeição. Com isso, contribuiu para a evolução de ambas as equipes brasileiras e, não é exagero, para a evolução do próprio Volei. Muito admirado nacional e internacionalmente, Bernardinho desfruta uma reputação profissional inquestionável, e a competência de seu trabalho é unanimidade entre jogadores, torcedores e a imprensa.

Por último, vale destacar que as Confederações dos dois esportes são completamente distintas. Hoje nosso Volei é mundialmente reconhecido por seu alto grau de profissionalismo graças, entre outros fatores, à entidade séria o gerencia. Só para citar alguns exemplos, a CBV promove modalidades de praia e quadra – masculino, feminino e categorias de base -, organiza torneios estaduais e nacionais e administra os direitos de transmissão para TV com muita transparência, gerando a credibilidade que garante patrocínios à continuidade do esporte. Graças a eles, por exemplo, o circuito de Volei de Praia do Brasil é o mais importante e disputado do mundo. Exemplo de sucesso em também gestão de negócios, em 2003 a CBV pôde inaugurar em Saquarema (RJ) o Centro de Desenvolvimento do Volei, um gigantesco complexo espotivo super equipado e moderno, onde treinam os atlétas brasileiros e trabalham as comissões técnicas. No mesmo ano recebeu o ISO 9000, tornando-se a única Confederação esportiva do mundo a ter este certificado de qualidade.

A conseqüencia direta é que, nos últimos 5 anos, só a Seleção masculina conquistou os seguintes títulos:
– Campeonato Sul-americano: 2001, 2003 e 2005
– Campeonato Mundial, em 2002
– Copa do Mundo do Japão, em 2003 (título inédito)
– Olimpíadas de Atenas, em 2004
– Liga dos Campeões em 2005
E com os títulos de 1993, 2001, 2003, 2004 e 2005 caminha rumo ao Hexa na Liga Mundial 2006. Definitivamente, somos o melhor Volei do mundo.

O Futebol brasileiro tem suas qualidades, é verdade, mas a comparação ao Volei pode explicar, entre tantas coisas, porque perdemos o Hexa na Alemanha; fazendo um paralelo entre CBV e CBF, por exemplo, coloca-se em cheque a real capacidade do Brasil voltar a sediar uma Copa do Mundo.

No fundo, acho que tudo isto reflete mais uma das inúmeras distorções medonhas do nosso país: mesmo com seu alto nível de excelência, o Volei ainda não é reconhecido profissionalmente aqui Brasil. Aliás, o único esporte brasileiro com tal habilitação é aquele dos cartolas e da máfia do apito impune…

Federation International of Fair Play Association

Nem tem muito o que dizer. Será que agora a FIFA vai punir todos os xingamentos dentro de campo? Por que xingamentos dão suspensão na final da Copa, então tem que aplicar a regra em qualquer jogo.

Futebol de hoje em dia é palhaçada. Zidane, assim como Ronaldo, foi um bom jogador, mas enganou todo mundo. Agora a mídia e os “entendidos em futebol” dão o cú pra ele. Se os Deuses do Futebol que o Galvão tanto fala existem, Materazzi vai ter mais uma chance, pelo menos só mais uma, de jogar contra o francês.

A Copa de Zidane

Aos 3 minutos do segundo tempo da prorrogação, um francês se arrasta pelo campo. Em sua última Copa, em sua última partida, não pode pensar em nada além do seu pífio desempenho durante o torneio, sendo exceção apenas o jogo contra o time de brasileiros mortos. Sem conseguir sobrepujar a impenetrável zaga italiana em nenhum momento, relembra a mediocridade de suas atuações ao longo da temporada. A discussão com o zagueiro italiano é a última em campo. A agressão ao adversário é a última coisa que fez pelo futebol.

Aos 34 anos, Zidane é o retrato do futebol atual: apático, dependente da mídia e limitado. Não fica entre os dez melhores da Copa, talvez nem entre os vinte, mas mesmo assim é eleito o craque. O mundo passa a mão na cabeça do “Maestro Zizou”, agredido com palavras pelo italiano Materazzi, o carniceiro, o desleal. Que teria dito ele para tirar o gentil Zidane do sério?

Claro, o longo histórico de atos dessa natureza que o francês tem não importa. Assim como aconteceu com Ronaldo, o futebol de Zidane – que foi sim um craque – é elevado e exaltado ao máximo, e um craque não pode ter uma despedida dessas. Alguma coisa que o italiano falou foi além do suportável. O mesmo italiano, aliás, que deve ter ofendido dezenas de adversários ao longo da competição.

Essa história, por sinal, não interessa a ninguém: Materazzi era reserva, considerado por muitos apenas um carniceiro. Entrou para substituir aquele que é talvez o melhor zagueiro do mundo, e já neste jogo marcou o gol da classificação italiana. Foi expulso no jogo seguinte apenas pela reputação que tem. Atuou de maneira impecável na semifinal contra os anfitriões. No último jogo, porém, cometeu um pênalti. Em uma final? Poderia ser considerado novamente um vilão, exceto por um detalhe: ele NÃO cometeu o pênalti. Inventado pelo juiz, só serviu para que o genial, o espetacular Zidane cobrasse de forma displicente. De resto, Materazzi não tomou um drible, não perdeu um lance, não errou uma bola. Aos 19 minutos, subiu e fez o gol de empate. Saiu gritando. Continuou de forma impecável durante a partida, inclusive no momento que tomou uma cabeçada do francês. Cobrou seu pênalti com perfeição, com uma tranquilidade que craques como Ayala, Lampard e Gerrard não tiveram. Um reserva, um carniceiro, que acaba saindo como herói.

Para a Itália, talvez. Para o resto do mundo, Materazzi é um vilão, alguém que incitou o maior gênio dos últimos anos a cometer um deslize. Todos passam a mão na cabeça de Zidane e criticam o italiano. Todos perdoam e entendem o gesto do “Mestre Zizou”, enquanto chamam o zagueiro de racista, de apelador… de vilão. Materazzi superou barreiras, confrontou a adversidade e saiu da final como herói. E, ao alcançar a maior glória que um profissional do futebol pode alcançar ele é… questionado? Ao invés de comemorar, tem que se apresentar para a FIFA e fazer um relatório do que aconteceu? Ao invés de glorificarmos alguém que, mesmo prejudicado pela arbitragem, foi atrás e buscou de forma corajosa a vitória, estamos com pena de uma criança que ficou braba porque não teve o que quis? E, pior, culpando alguém que fez por merecer?

Aos 34 anos, Zidane é o retrato do futebol atual: apagado. Precisa de notícias, precisa da mídia para se manter no auge. Foi craque, mas sempre superestimado, suas jogadas – mesmo as mais simples e óbvias – sempre foram chamadas de geniais porque o futebol precisava desesperadamente deste craque. O “maior jogador dos últimos 20 anos” jogou duas Copas e meia, e mesmo assim não fez apresentações do nível de Romário, Rivaldo, Hagi, Stoitchkov, Brolin. A exaltação ao francês é uma masturbação que o futebol, antigamente o causador de emoções inexplicáveis, faz consigo mesmo. Atualmente a responsabilidade social do esporte se tornou maior que o esporte em si. O Fair Play da FIFA matou o jogo.

Bem, foda-se Zidane e a FIFA. Podem até continuar tratando o cara como vítima, podem até culpar o zagueiro, podem fazer o que quiser. Mas dentro das quatro linhas, Materazzi sim foi um craque, e a Copa do Mundo sua recompensa. Zidane, o craque, o fenômeno, o gênio, estava lá também. Mas como mero observador.