Comédia que acerta no alvo

Os Outros Caras (The Other Guys)
4/5
Direção: Adam McKay
Roteiro: Adam McKay, Chris Henchy
Elenco
Mark Walhberg (Terry Hoitz)
Will Ferrel (Allen Gamble)
Samuel L. Jackson (P. K. Highsmith)
Dwayne Johnson (Christopher Danson)
Eva Mendes (Dr. Sheila Gamble)
Allen e Terry são dois policiais que, além de ofuscados pelos dois tiras alucinados mais famosos da cidade, sofrem bullyng por parte de seus colegas porque… bem, porque Allen é um ALMOFADINHA e Terry é tão estável quanto uma conexão discada. Entretanto, quando um caso extremamente complicado adiciona ambos como amigos no Facebook, os dois sujeitos ganham a chance de provar seu valor e se tornarem os novos heróis da região.
Ok, a fórmula é mais batida do que canela de gente estabanada: dois policiais com personalidades opostas, forçados a trabalhar juntos e investigando uma trama envolvendo aqueles que são os vilões mais comuns nos filmes policiais, os RICOS. Mas apesar de se apoiar nessa estrutura tradicional, Os Outros Caras consegue desenvolver situações descomunais a partir das personalidades de seus protagonistas, tornando-se um filme verdadeiramente engraçado, ao invés de mais uma daquelas comédias “já sei, vamos fazer uma cena envolvendo escatologia, sexo e uma personagem estranha, porque escatologia, sexo e bizarrices são ENGRAÇADOS”.

Em outros filmes essa gravata seria um pênis.
Os Outros Caras já começa situando o espectador em seu universo absurdo, com uma cena de ação tão épica que só pode ter saído de uma LATINHA DE CERVEJA – e o roteiro é maroto pra, na cena seguinte, fazer POUCO de sua sequência inicial, provando que, mesmo não sendo totalmente escrachada, a película realmente não se leva a sério. Aliás, a decisão de não fazer algo exageradamente exagerado é mais uma vitória do filme, que assim constrói seu humor através de pequenos momentos e diálogos supimpas (como nos rompantes de fúria total de Terry ou aproveitando a ingenuidade de Allen frente às perigosas convenções sociais). Aqui não há espaço para piadas que foram pensadas já imaginando o número de views que terão quando forem colocadas no YouTube. Tudo (tudo bem, QUASE tudo) entra na história de forma orgânica, sem desviar os dois bróders lá de suas características, o que faz o espectador não apenas rir mas também se importar com os caras. É um humor fresco, renovado, sem apelar para personagens que são metralhadoras de palavrões ou dar uma de adolescente e pensar em sexo o tempo todo. Mas infelizmente nem tudo na vida é Copa do Mundo, e em determinados momentos Os Outros Caras acaba cedendo a piadas que, de tão fáceis, parecem madrinhas de casamento bêbadas. Além disso, a trama principal acaba se tornando por demais complicada aqui e ali. Sim, o caso que eles tentam resolver não é prioridade do filme, mas as complicações e reviravoltas deixam a narrativa do filme se fazendo de difícil.
Mostrando que manja do riscado, o diretor Adam McKay (que frequentemente colabora com Will Farrel. Devem ser parceiros de CARTEADO e PEGAÇÃO NA NOITE) tenta sempre manter Terry e Allen no mesmo quadro, pois sabe que é na química entre ambos que o filme garante sua vaga na Libertadores (e tal escolha também ajuda a construir a proximidade entre as personagens). Também mostra ter a pegada viking necessária para os momentos de ação (a sequência inicial é absurda e muito bem coreografada) e confere dinamismo à película colocando uma ou outra cena onde a linguagem narrativa utilizada é temperada com SAZON (como, por exemplo, o sensacional momento semi-bullet-time no bar). Junto a toda essa balbúrdia vem uma direção de arte que leva a camiseta 10 e o nome Messi às costas pois, além de ser bem utilizada como piadas (o carro de Allen), sabe que os detalhes fazem a diferença num relacionamento – e aí podemos citar a sala fechada onde os caras trabalham (afinal, estão “presos” àquela posição), o figurino de Allen (que se torna menos engomadinho nos momentos onde ele se solta) e a sensacional, épica, BIGBANGUEANA ideia de colocar um pôster do Stallone Cobra na casa de Terry. A trilha, como não poderia deixar de ser, conta com muitos momentos de roquenrol, mas também funciona nos momentos onde subverte a expectativa do público para criar humor (tipo numa tensa perseguição de carro ao som de um pianinho alegre).
Mas de todas as qualidades de Os Outros Caras a maior é, sem dúvida, a química perfeita entre seus protagonistas: além de carismáticos ÀS GANHAS, Ferrel e Wahlberg se revezam com eficiência na hora de disparar piadas precisas, sem que apenas um fique como “o engraçado” e o outro dando apenas as deixas. Inclusive Ferrel se mostra totalmente contido (já que suas atuações normalmente são um pouco menos exageradas do que uma festa dada por Paris Hilton e Márcia Goldschmidt), enquanto seu companheiro ilustra bem a montanha-russa de emoções que é Terry (e o faz sem soar forçado, o que poderia comprometer as piadas envolvendo o sujeito). Samuel L. Jackson e Dwayne Johnson, embora apareçam pouco, transmitem à película o ar necessário de “uma vez eu acabei com dezoito bandidos enquanto escutava Marvin Gaye”, e garantem assim a “sombra” na qual os protagonistas se mantém ao longo da projeção. Já Eva Mendes pouco pode fazer além de parecer gostosa, mas, é importante dizer, a moça se sai com perfeição na tarefa.
Inteligente e com uma pegada diferente da maioria das comédias blockbusters que andam pipocando por aí, Os Outros Caras não tem muita pretensão além de simplesmente fazer o espectador rir – e nesse caso o filme já pode bater o ponto e ir pra casa. Porque mesmo com suas falhas a película funciona, é engraçada, não se limita a ficar apenas em uma zona segura de comédia, aproveita o ótimo timing cômico de seus atores em cenas inspiradas. Então talvez seja seguro dizer que, tal qual seus dois protagonistas, o filme acaba  sobrepujando com folga muitos dos atuais “heróis” do gênero. 

Dream the dreams of other men

Tal qual recipientes de vidro contendo líquidos dentro, os sonhos são escorregadios. Com frequência, ao acordar, lembramos apenas de flashes do que sonhamos (e que, na maior parte das vezes, são semelhantes a alguma cena de algum filme do David Lynch. Mas divago). O que fica realmente marcado são as sensações: o medo, a tensão, a alegria, tudo isso continua no nosso sistema mesmo depois que abrimos os olhos, e é o que usamos para descrever ou definir a experiência.
Há exatos cinco anos Porto Alegre abrigou o maior evento de sua história: diretamente de Seattle, trazendo na bagagem chuva e uma torre com um disco voador no topo, o Pearl Jam veio até a cidade para realizar um show no Gigantinho (eu escrevi “show”, mas um termo mais apropriado seria uma onomatopéia do tipo “CABUM”). Desde o início, com Long Road, até o acachapante final, com Yellow Ledbetter, a coisa toda foi um passeio por tudo aquilo que torna a música algo tão cativante, ao mesmo tempo íntimo e público. Pra uma pessoa como eu, então, que desde a adolescência tem “Pearl Jam” tatuado no coração, o show teve proporções épicas. Proporções gremistas, eu diria. Foi como presenciar o Big Bang, mas um que, ao invés de átomos e matérias, expandiu canções espetaculares pelo universo (no caso, o sistema solar foi formado por Habit, Daughter, AnimalBetterman, Baba O’Riley, Do The Evolution, Crazy Mary, Jeremy e Alive, com Given to Fly fazendo as vezes de Sol).
De coisas factuais, palpáveis pela memória, lembro de pouco. Apenas alguns flashes, momentos específicos, situações pontuais. O que eu realmente me recordo, e que uso pra definir a importância desse evento na minha vida, foi a sensação de ficar com um arrepio na espinha e lágrimas nos olhos durante duas horas. Mais do que os fatos, o que ficou de verdade foram as sensações. E isso talvez seja a prova definitiva de que ir a um show do Pearl Jam, em Porto Alegre, foi a realização de um sonho.

Como Os Mercenários deveria ter sido feito

Quem leu a minha crítica sobre Os Mercenários sabe que, apesar de seu elenco e de sua (aparente) proposta, o filme na verdade é uma grande história de FRUTINHAS. Pensando a respeito, então, resolvi colocar aqui no blog como a película seria se, de verdade, resolvessem fazer a história mais MACHONA do mundo.
(a estrutura deste post é descaradamente roubada do site The Editing Room. Que é bem melhor do que este blog. Acessem lá)

FADE IN


INTERIOR – DIA – TÍPICO ARMAZÉM ABANDONADO

SYLVESTER STALLONE COM BOTOX entra no armazém trazendo na coleira um PITBULL ANABOLIZADO e bebendo cerveja pela sobrancelha. Ele encontra um BANDO DE BRUTAMONTES FAMOSOS dando socos no chão e chama a atenção deles.

STALLONE COM BOTOX
Ei bando de filhos da puta! Ontem eu comi todas as irmãs de vocês ao mesmo tempo, e depois vendi elas pro tráfico pra comprar uma televisão do tamanho de um BAIRRO. Agora eu posso finalmente assistir a EMANUELLE GIGANTE.

BANDO DE BRUTAMONTES FAMOSOS
É isso aí!

STALLONE COM BOTOX, então, coloca um mapa em cima de uma mesa feita de DENTES HUMANOS. No mapa, vemos apenas três pontos: um que diz “Nós”, outro que diz “Ditador vilão” e outro que diz “Mina que vai ser a recompensa” – este último é o único que, além do ponto, tem dois peitos desenhados junto.

STALLONE COM BOTOX
Escutem aqui, seus merdas desgraçados do caralho: tem essa mina que eu quero PAPAR, mas o marido dela, um ditadorzinho de algum país aí, ficou de ciuminho e a mina me deu o bolo. Então vamos fazer o seguinte: a gente desce na selva, PASSA FOGO geral, encontra o ditador, vira ele do avesso e depois eu como a mina no meio de um círculo de explosões. Entenderam?

BANDO DE BRUTAMONTES FAMOSOS
É isso aí!

Para celebrar, eles fazem CHURRASCO com o Pitbull.

CORTA PARA:


EXTERIOR – SELVA – DIA

Liderados por STALLONE COM BOTOX e sua arma que dispara BALAS DE TESTOSTERONA, o grupo massacra, fuzila, corta, chacina, tortura, desmembra, explode nuclearmente, morde, espeta, corta, metralha e xinga absolutamente TODO MUNDO que aparece em cena, além de cortar todas as árvores, parando apenas por quinze minutos pra jogar FUTEBOL.

STALLONE COM BOTOX
Sempre haviam me dito que investir agressivamente nesse país era TIRO E QUEDA, hahaha. Aqui, não esqueçam de levar macacos de recordação.
BANDO DE BRUTAMONTES FAMOSOS
É isso aí!

Subitamente, um monte de soldados de um exército estereotipado aparece e rende a galera. Tudo que STALLONE COM BOTOX consegue fazer é ajeitar suas sobrancelhas com a mão para simular um ar de surpresa.

CORTA PARA:


INTERIOR – PORÃO – DIA (DA MATANÇA)

Estão todos presos, sangrando e parecendo machões, mas logo STALLONE COM BOTOX alcança um CLICHÊSTILETE e consegue se soltar. Eles partem para jogar um jogo chamado “Resta Um versão humana”, transformando a invasão à Normandia de 1944 em uma AULA DE TRICÔ. Ao chegar no ditador, STALLONE COM BOTOX parte ele ao meio com as mãos e mastiga o coração do sujeito. Então todos saem correndo, e STALLONE COM BOTOX começa um bate-coxas com a mocinha e o país inteiro explode ao fundo. Eis que surgem BRUCE WILLIS e o GOVERNADOR DO FUTURO. Os três ficam se xingando enquanto bebem cerveja pelos BÍCEPS e gargalham.

FIM

Virtualmente real

Diziam os boatos que a internet vinha pra “democratizar a informação”. Uma rápida olhada pela rede mundial mostra que boa parte das pessoas fica ciscando ao redor de determinados sites, principalmente os grandes portais que já existiam offline, e ainda consume um conteúdo que, em 99% do tempo, é descartável e desinteressante. As redes sociais tornaram-se grandes concursos de popularidade, simulando cada vez mais um colégio virtual onde o status subjuga a produção realmente significativa de ideias ou pensamentos. A pauta continua sendo ditada pelos mesmos velhos chefes, e nós continuamos discutindo os mesmos velhos assuntos, das mesmas velhas formas. Todo o “mundo real” está fielmente reproduzido na internet.
Aliás, acho engraçado falar da internet sobre algo vivo, com fim em si mesmo, que aparentemente atua de acordo com conceitos e vontades próprias. Diziam os boatos que a internet vinha pra “democratizar a informação”, mas diziam errado: nós é que tivemos a chance de democratizar a informação através da internet. Mas ei, é impossível ignorar o chamado das videocassetadas, né?

A metade do começo do fim

Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1 (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 1)

5/5
Direção: David Yates
Roteiro: Steve Kloves, baseado no livro de J. K. Rowling
Elenco
Daniel Radcliffe (Harry Potter)
Rupert Grint (Ron Weasley)
Emma Watson (Hermione Granger)
Ralph Fiennes (Voldemort)
Helena Bonham Carter (Beatrix Lestrange)
Voldemort e sua turminha de delinquentes começam a tocar o terror não apenas no mundo cheio de situações e criaturas estranhas, mas também no mundo dos bruxos. Como o caos toma conta de tudo, o time do Harry Potter começa a se organizar pra combater seus inimigos com muitos feitiços e efeitos especiais de computador, mas Harry, Ron e Hermione acabam partindo em uma jornada diferente e solitária para dar cabo de seu réptil adversário.
Não há mais espaço para chocarrices no mundo harrypotteriano. Este Harry Potter e As Relíquias da Morte – Parte 1 mergulha a gurizada em um ambiente ainda mais melancólico e sombrio do que o anterior, Harry Potter e o Enigma do Príncipe. É quase como se o Ministério da Magia fosse comandado por Ricardo Teixeira. A tensão fiscaliza os protagonistas com uma intensidade digna de imposto de renda, e, se os momentos cômicos continuam presentes na história, é porque eles fazem um bom contraste com o clima BOTAFOGUENSE da projeção.

“O clima é sombrio, mas rola de dar uns amassos na Gina, né?”

Essa atmosfera toda já fica clara no início da película, quando vemos a gatinha Hermione realizando um doloroso sacrifício para proteger seus pais (tema que é abordado ao longo da produção de forma tão sutil, com a garota sempre aparatando para lugares onde esteve com os pais, que senti vontade de comprar um BUQUÊ DE FLORES pro filme). Aliás, a bruxinha dá uma de DILMA ROUSSEF e assume o comando da balbúrdia, tornando-se o centro dramático e narrativo da história, naquele que talvez seja o filme da série mais focado no seu trio de protagonistas e o que mais explora as relações entre eles – Ron, por exemplo, passa a ter mais voz dramática no contexto geral, a desejar mais o que realmente quer, e isso o coloca em conflito com Harry (o que é perfeitamente natural, considerando que eles estão vivendo uma situação de limite extremo, com o mundo como o conhecem estando na CAPA DA GAITA. E o fato da película não omitir tais características, mesmo tratando-se de um blockbuster, é mais um aspecto que demonstra sua vitória inquestionável). Paralelo a isso, Harry Potter e as Relíquias… também se torna mais silencioso, contemplativo, claramente criando a tensão e os sentimentos necessários para a BATALHA DO PELOPONESO que será a Parte 2. É como o longo suspiro antes do grande mergulho, ou o “não há nada errado, está tudo bem” dito por uma mulher antes de iniciar uma violenta discussão. Toda essa construção envolve o espectador na trama, obrigando o público a enfrentar e aceitar os defeitos e provações das turminha que tanto ama. Torna Harry, Ron e Hermione personagens tridimensionais. E abre espaço para diálogos sensacionais, como quando, após os três se separarem do resto da galera e verificarem que não há nenhum inimigo com eles no recinto, Hermione diz “estamos sozinhos”.
Para acompanhar esse climão todo, o diretor David Yates investe em um visual que faz bastante uso das sombras e de cores sóbrias, além de uma fotografia dessaturada que confere realismo à película. Yates também liga o “modo Cruyff” e dirige o filme na elegância absoluta (o travelling circular que mostra os diversos Harrys é digno de BRINDES com cerveja), utilizando com competência efeitos especiais que teriam nível 99 no Winning Eleven (e que se integram à história, ao invés de simplesmente aparecerem como CGIs aleatórios dando banda pela produção). O diretor também se enamora de planos abertos, longos, enquadrando de longe um ou todos os protagonistas, o que ilustra a solidão e melancolia que tomou de assalto a galera (e há até espaço para alguns simbolismos: como não pensar em tudo que percorreram até ali ao ver Harry e Hermione literalmente caminhando sobre um caminho de pedras?), e acertadamente opta por uma câmera ligeiramente sacolejante em momentos de intensidade dramática ou quando a ação dá as caras – inclusive, é bom dizer, essas cenas de ação são extremamente bem coreografadas, sendo que a primeira de todas é uma aula de tensão que deixaria Jack Bauer chorando no cantinho. Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1 ainda tem como melhor amiga uma direção de arte inspirada, que trabalha com locações e cenários sem vida, contribuindo com a ambientação do filme, além de uma trilha tensa, de acordes pesados, que vai fazer muita gente dormir encolhida na cama de noite.
Entrosados depois de anos jogando no mesmo time (sem conotações de orientação sexual aqui. Ok, talvez um pouco), o elenco principal mostra-se ainda mais afiado e intenso do que nos filmes anteriores: Daniel Radcliffe ilustra com competência toda a tensão e os conflitos nos quais Harry está inserido, sem carregar na dramaticidade ou transformar o filme em uma novela da Record; Rupert Grint continua com seu excelente timing cômico, mas agora também tem a chance de mostrar que pode ser levado a sério (além de sua tradicional cara de PIDÃO, digo) e faz de Ron uma personagem intensa; e Emma Watson cresce demais, ilustrando com pequenos trejeitos, sorrisos ou comportamentos a fragilidade que Hermione esconde por trás de toda sua inteligência – o momento onde ela dança com Harry é ENTERNECEDOR – sem com isso se distanciar das características que a bruxinha tinha nas outras películas. O resto do elenco, como de costume, é formado por atores ingleses cujo talento é proporcionalmente inverso ao dos jogadores de futebol ingleses, criando coadjuvantes marcantes, interessantes e que em momento algum destoam do resto. É uma equipe com competência tão homogênea que dá até pra sonhar como o mundo seria caso isso fosse transferido pras principais repartições públicas.
O único problema de Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1 é que ele não possui um final propriamente dito, ou seja, alguém na sessão que se considera muito engraçado certamente levantará após a projeção dizendo coisas como “ei, mas esse filme não tem final, rsrsrs”. Fora isso, não apenas está à altura das expectativas como vai além, percorrendo caminhos que um blockbuster convencional não teria CULHÕES pra percorrer. E, assim, cria uma base sólida sobre a qual a parte 2 será construída, levando o público até metade do caminho e permitindo que a série possa ser encerrada com toda a grandiosidade que merece. E não é preciso ser bruxo ou usar de feitiços para perceber que este trem, tal qual o que leva a Hogwarts, segue em direção a um destino de pura magia.

House Smells Like Teen Spirit

O Vendedor de Armas – Hugh Laurie
Difícil dissociar Hugh Laurie de House, certo? Pois o ator e escritor também não se esforça muito: apesar de participar de uma TRAMÓIA batida, o narrador deste O Vendedor de Armas possui o mesmo humor irônico e sagaz do médico favorito da vizinhança. Com um texto irreverente e frases tão afiadas que o leitor precisa tomar cuidado pra não cortar os dedos, Hugh Laurie cria uma obra dinâmica, que preza pela diversão total e conquista tal objetivo com 30 rodadas de antecedência. Já até consigo ver o livro sendo adaptado pelas telonas, estrelando, claro, o seu próprio autor em um papel que ele conseguiria fazer de mãos atadas. Talvez sem uma bengala, entretanto.
(agradecimentos à Dra. Bridget, uma das donas do excelente Sou Para-Raio de Doido, pela indicação)
O táxi de McCluskey parou na Cork Street. Vi que ele estava pagando e pedi ao meu motorista que passasse por ele e me deixasse a uns 200 metros.
O taxímetro marcava 6 libras, por isso dei uma nota de 10 e assisti ao curta de 15 segundos chamado “Não Sei se Tenho Troco Para Isso”, estrelado pelo motorista de táxi com a licença de número 99102, antes de sair e descer a rua.
Nirvana Nunca Mais – Mark Lindquist
Ao contrário do que sugere o título, não é um livro que se passa no início dos anos 90, e sim no final da década que ficou famosa pelo Romário e pelo grunge, nessa ordem de importância. O protagonista, Pete, fez parte de uma das milhares de bandas de Seattle que tentaram pegar o vácuo do Nirvana, mas agora é um advogado formado e se encontra questionando suas escolhas. 
A divisão em vários capítulos, alguns com títulos de músicas e outros tão curtos quanto as participações do Corinthians em Libertadores, dá uma agilidade bacana ao livro. O texto é bastante direto e recheado, embebido em e servido ao molho de referências pop. Apesar de apenas arranhar os temas propostos (solidão, escolhas, futuro, relacionamentos), Nirvana Nunca Mais tem seu charme – soa como uma balada de rock, uma leve distorção, um vocal amargurado, uma melancolia em geral e um certo exagero que leva à superficilidade. Tipo de livro pra ler enquanto se caminha na chuva usando uma camisa de flanela.
Ele se dirige diretamente para o armário do som, que guarda discos em vinil, CDs e livros. Em geral, Pete gosta de procurar pistas sobre aquela com quem irá dormir a partir desse tipo de evidência.
Os CDs tendem a ser brindes promocionais da Sub Pop, mas também incluem alguns da PopLlama, entre os quais os primeiros dois LPs do Young Fresh Fellows em apenas um disco, os favoritos de Pete, e The Hot Rock, do Sleater-Kinney, um daqueles álbums que Pete acha que deveria ouvir mas nunca o faz.

Um parto de sessão

Um Parto de Viagem (Due Date)
2/5
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips, Alan R. Cohen, Alan Freedland e Adam Sztykiel

Elenco

Robert Downey Jr. (Pete Higman)
Zack Galifianakis (Ethan Trembley)
Após perder um vôo e ilustrar a expressão “roteirista preguiçoso”, Peter Highman se junta ao estranho Ethan Trembley em uma viagem para cruzar o país a tempo de ver seu filho nascer. Mas é claro que no trajeto acabam acontecendo muitas chocarrices, tornando o filme um grande remendo de situações tão ou mais estranhas quanto qualquer programa televisivo japonês.
Famoso pelo excelente Se Beber, Não Case (cujo título original é The Hangover, mas deveria ser Cromossomo Y), o diretor Todd Phillips agora resolveu experimentar, trabalhando com um roteirista de 15 anos de idade que com certeza tinha maconha preenchendo cada SINAPSE de seu corpo. Pois essa é a única explicação para gastar 50 milhões de dólares e dois ótimos atores em um filme cuja criatividade vai até o nível “seria engraçado pra caralho se a gente mostrasse um cachorro se masturbando!”.

Zack Galifianakis esperando a criatividade chegar.
O principal problema da película nem é a trama que, de tão forçada, pode ser acusada judicialmente de estupro. O principal problema é que o Zack SOBRENOMEESTRANHO fez sucesso com sua personagem esquisita e loser em Se Beber, Não Case. Então alguém achou uma ótima ideia simplesmente transportar ela pra este Um Parto de Viagem e dar ao sujeito uma importância quase tão grande quanto a que a mídia dá aos ex-BBBs. Ou seja, o filme é basicamente Ethan fazendo coisas idiotas que contrariam qualquer noção de realidade, sempre com cara de bobo, enquanto o irritadiço Peter atura tais façanhas. Só que as idiotices do Ethan não são engraçadas. São escatológicas, clichês, sexuais, clichês, implausíveis, clichês e contraditórias, mas não engraçadas. Porque o espectador sabe que sempre que o cara está em cena algo idiota vai acontecer, e nunca é pego de surpresa. Há sempre uma antecipação tipo “certo, vamos ver qual é a próxima idiotice”. E isso, além de soar episódico, além de demonstrar que o filme foi pensado apenas como um monte de baboseiras que não tem nada a ver uma com a outra (em certo momento, por exemplo, Ethan diz que só consegue dormir caso se masturbe antes. Na cena seguinte, ele simplesmente cai no sono enquanto está dirigindo), faz com que o público não se interesse nem um pouco pelo barbudo estranho (afinal, ele sequer é uma personagem. Uma definição melhor seria “catalisador de situações adolescentes”). Só não é o fundo do poço total porque aqui e ali há diálogos realmente inspirados e Peter mostra-se uma personagem interessante e tridimensional, além de usar um óculos extremamente STÁILE.
Um Parto de Viagem segue por um visual bastante convencional, pelo menos no que diz respeito à linguagem, já que não há nada de convencional em enquadrar cachorros se masturbando. Tem também aqueles tradicionais planos com o carro andando e o sol se pondo ao fundo, passando por pontos turísticos, silêncio opressivo entre os viajantes após alguma cagada, enfim, a wikipédia toda dos road movies está lá. Por algumas vezes foge do tom (tipo a parte da alucinação dos dois no carro, que vira as costas e fica de mal com o resto da linguagem visual, pois contrasta com a fotografia dessaturada e que até então abraçava com carinho um tom de realismo), mas apenas em um ou outro momento. O que acaba se destacando mesmo é a descomunal trilha sonora, que não tem pudor nenhum em reunir gente do nível de Neil Young e Pink Floyd, tornando-se o único aspecto da produção digno do selo “correr alucinadamente e de braços abertos pela rua” de qualidade.
Como Peter Highman, Robert Downey Jr. mostra sua tradicional eficiência e carisma, que vêm junto com um ótimo timing cômico, tornando o sujeito alguém agradável e que carrega o público facilmente ao longo da projeção. Infelizmente ele carrega também Zack SOBRENOMEDIFÍCIL, que, apesar de ótimo ator, precisa se limitar a maneirismos estranhos e olhares patéticos porque ei, ISSO É ENGRAÇADO! Daí não tem Jonas que consiga resolver. Já o resto do elenco está ali apenas para interpretar figuras caricaturais e irritantes, então, como a produção não perdeu tempo pensando a respeito dos coadjuvantes, não perderemos tempo falando sobre eles.
Tal qual os horários de ônibus em Porto Alegre, Um Parto de Viagem falha com louvor em praticamente tudo que se propõe a fazer. Sem graça, sem emoção, sem criatividade e quase sem carisma. Considerando que essa película é um grande painel que abriga os dizeres “derrota” e que o filme anterior do diretor, Se Beber, Não Case, desce tão bem quanto uma cerveja gelada após o futebol, talvez o título em inglês The Hangover tenha ido para a obra errada.