Desafiando o controle

Aqui em casa tem um controle remoto que não funciona, por mais força que se apertem os botões (faz diferença sim) ou pensamento positivo que se coloque em cima dele (abraço, teoria de O Segredo). Isso naturalmente implica em um deslocamento de massa do sofá até a TV que, antes, era totalmente descartável, sendo substituído pelas ondas que ligavam o controle até o aparelho. Ou seja, podemos dizer que a relação entre a capacidade funcional do controle remoto e a diminuição da vida sedentária é inversamente proporcional.
O que me levou a pensar. Vivemos em uma época onde o sedentarismo é questionado e julgado, onde a ditadura do corpo colocou agentes disfarçados de academia em cada esquina para nos intimidar. A toda hora, em todo lugar, a prática de exercícios é incentivada. Até mesmo o McDonalds tem um “pratique exercícios regularmente” nas suas embalagens. Entretanto, ao mesmo tempo em que nos condena pela preguiça, pelas barrigas de chope, pelos músculos flácidos, o mundo fica atirando na nossa cara cada vez mais soluções para incrementar esse sedentarismo: controles remotos, elevadores, sofás com frigobar embutido, poltronas mais confortáveis do que um ÚTERO, e por aí vai. É o tipico caso do “faça o que eu digo, mas não faça realmente, apenas se sinta mal por não fazer pra que minha imagem não seja prejudicada”.
Ironicamente, o único mercado que parece remar contra esse tsunami de conforto é o dos videogames, com seus Nintendo Wii, Playstation Move, Kinect e derivados, cujo objetivo é exatamente o de colocar o jogador chacoalhando seu esqueleto pra lá e pra cá enquanto se atira em posições esquisitas para vencer no jogo. Justamente o videogame, esse companheiro injustiçado, esse herói das multidões, que resistia bravamente quando mães pelo mundo afora vociferavam para seus filhos “sai desse videogame, vai brincar lá fora, fazer um pouco de exercício”.
Gostaria de saber o que diria agora esse exército de mães ao ver seus filhos, antes alvo de impropérios por forjarem alianças com os videogames, se divertirem e se movimentarem e praticarem exercícios com esses mesmos malfalados videogames, enquanto elas recostam-se no sofá todas as noites, com os olhos grudados na telinha e o controle remoto na mão.

Nunca seja completo

Dia desses tive uma ideia muito boa pra postar aqui. Era tipo um microconto, uma história curtinha, mas extremamente interessante, sobre um sujeito que havia acabado de acordar e acabava se deparando com algum elemento que alterava sua rotina. Lembro também que essa ideia surgiu no meio da noite, em um daqueles momentos onde a gente simplesmente toma consciência de que está acordado e depois volta a dormir. E claro que, quando acordei novamente, havia esquecido a história.
A princípio fiquei frustrado, mas depois pensei melhor: esse conto jamais seria publicado em lugar algum. Ele existiria apenas no plano da imaginação, junto com fadas, duendes, o título mundial do Corinthians e repartições públicas eficientes. Isso permite que ele jogue no time do “poderia ser”, daquelas coisas jamais postas em práticas que ainda podem ser tudo aquilo que esperamos dela. Quer dizer, o conto ainda pode ter um texto elegante como o do Cormac McCarthy, tiradas inspiradas como as do Borges, uma reviravolta impressionante como algumas histórias da Agatha Christie. Fatores que certamente iriam pro brejo quando ele fosse posto no papel virtual.
Ou seja, de certa forma as coisas só são completas quando elas ainda não existem, quando ainda podem ser perfeitas. Alguém pode esperar que o show do U2 seja fantástico e, ao sair de lá, descobrir que foi uma experiência tão aniquiladora que chamá-la de “fantástico” é o mesmo que chamar uma Copa do Mundo de “pelada”. Mas, mesmo com as expectativas sobrepujadas por quilômetros, certamente essa pessoa dirá que faltou tocarem Red Hill Minning Town, que Bullet the Blue Sky não foi tão espetacular quanto nos shows da turnê anterior. Porque, por melhor que seja, a realidade jamais é tão perfeita quanto na imaginação. Trazer as coisas para o mundo real é um exercício de decepção.
E se algo só pode ser realmente completo e verdadeiro às suas intenções enquanto ainda está no plano do “e se”, podemos concluir que

De piratas e dromedários

Pirate Latitudes – Michael Crichton
Além de grande contador de histórias, Michael Crichton pesquisava alucinadamente antes de iniciar um livro – e, graças à essa metodologia, o autor nos faz acreditar fielmente em tramas que de outra forma soariam absurdas, como os excelentes Parque dos Dinossauros e Esfera. Pois ele faz o mesmo nesse Pirate Lattitudes, utilizando termos náuticos e expressões da época para MERGULHAR o leitor na tramóia. Além disso, conta com uma galeria de personagens sensacionais e ação desenfreada, que coloca o livro naquele famoso ritmo “trem desgovernado, sem freio e empurrado por uma turbina nuclear”. Infelizmente Crichton não consegue parar a tempo, estendendo a ação desnecessariamente no último capítulo e dando com os burros na água. Nada que atrapalhe a ótima diversão do livro, mas ainda assim fica aquele gostinho de que Pirate Latitudes poderia ter tomado uma chuveirada depois de sair do mar pra tirar os excessos.
Bosquet’s intent was clear enough. He had anchored in the mouth of the bay, just beyond the reef, but within range of his broadside cannon. He intented do stay there and pound the galleon through the night. Unless Hunter moved out of range, risking the shallow water, his ships would be demolished by morning.
Paisagem Com Dromedário – Carola Saavedra
Paisagem Com Dromedário possui uma forma de narrativa assas interessante, com cada capítulo funcionando como uma transcrição de um vídeo que a narradora gravou para um ex-amante. Mas não é só isso: girando em torno de um triângulo amoroso, o livro é quase uma auto-análise de Érika (a narradora), que tenta entender as escolhas e as decisões que tomou. O que resulta em uma obra cativante, ainda que bastante triste. Suas passagens reflexivas completam de forma natural as descrições dos acontecimentos, e o leitor acaba envolvido de forma impiedosa pela doce melancolia que permeia o livro, sendo levado a fechar seu coração em uma caixa e jogar fora após finalizada a leitura.
A morte talvez seja apenas isso, algo que espera pacientemente, dentro de um bloco de barro, de mármore, de pedra, que no decorrer da vida, com nossos instrumentos e nossas armas, nos aproximemos.

Barulho de chaves, uma porta se abrindo, vozes. Não é possível entender o que dizem.

Está ouvindo? Devem ser Vanessa e Bruno que acabam de chegar. Provavelmente vão bater na porta do quarto para saber como estou. Eles acham que eu não estou bem, ou ao menos esperam que eu não esteja bem. Na realidade estou ótima. Acho que isso os incomoda.

O conservadorismo do carnaval

Quando penso em carnaval, as duas primeiras coisas que me vêm à cabeça são “putaria” e “programação ainda mais entediante na TV aberta”. E acredito que não sou o único. O carnaval é tipo um passe livre de convenções sociais, um mundo alternativo onde podemos fazer um monte de coisas que normalmente seriam condenadas e justificá-las com o tradicional “ah, é carnaval”. Basicamente, o carnaval muda aquela história de “o que os olhos não vêem o coração não sente” pra “o que os outros não julgam a consciência não sente”.
Entretanto, o que inicialmente parece um rompante de ID que dura 4 dias e é aprovado por todos, na verdade é um espião jogando no time do puritanismo. Porque vejam bem, esse espaço de tempo que se apropria da ideia de libertinagem só existe se no resto do ano for exatamente o contrário, se houver uma massa opressiva de convenções, comportamento puritano e julgamentos da qual fugir. Dentro desse contexto, então, o carnaval surge como um mimo que nós recebemos e consideramos algo especial, o que nos distrai do fato de que somos julgados e controlados e condenados durante todo o resto do tempo. É tipo a empresa que faz os funcionários trabalharem até a meia-noite, mas avisa que vai pagar a pizza na janta apenas para apaziguar a situação e fingir que não está explorando a galera.
A prova definitiva disso é que a principal característica do carnaval é o uso de fantasias. Para fazer toda a balbúrdia que queremos fazer, precisamos nos fantasiar de algo que não somos no dia a dia. Porque no resto do ano, se tu faz algo um pouco mais intenso, um pouco mais fora do esperado, as pessoas olham pra ti com certo desprezo e dizem coisas como “o que tu tá pensando? Não estamos no carnaval”.

Análise de Under Cover of Darkness, novo clipe dos Strokes

Depois de passar alguns anos no limbo, os Strokes voltaram, trazendo junto todo o frenesi que os acompanha. E ainda lançaram um belo clipe para o novo single, cheio de simbolismos e afins – mas, como eu não entendo nada de Strokes, passo para a Marília, do sensacional fake carousels, fazer uma análise completa do videoclipe – confiram o vídeo abaixo e leiam a análise dela logo a seguir:
Após o lançamento do álbum First Impressions Of Earth, os nova-iorquinos da banda The Strokes decidiram dar um tempo, e cada integrante (menos o guitarrista Nick Valensi) resolveu se dedicar a um projeto solo, onde poderiam fazer aquilo que queriam fazer quando estavam juntos e não podiam.Os motivos dessa insatisfação eram em parte por conta dos problemas do vocalista Julian Casablancas, que se sentia sobrecarregado e até mesmo infeliz (principalmente por conta de sua dependência alcoólica exagerada). Por outro lado os outros integrantes sentiam-se excluídos do processo criativo.
Mas tudo isso passou e os Strokes estão com um álbum novo, intitulado “Angles”, que será lançado no dia 22 de Março. O clipe do single “Under Cover Of Darkness” é cheio de simbolismos e faz o coração de qualquer fã bater mais forte. E eu, humildemente, acho que entendi a mensagem e vim aqui compartilhar com vocês. Sintam-se livres pra retrucar tudo que eu escrever a seguir.
O clipe começa com Julian vestido de maestro, em uma clara alusão à sua liderança na banda. Daí o diretor Warren Fu passa a mostrar os integrantes em um corredor de um teatro antigo de Novos Jersey, cada um em um canto, bem separados mais ainda juntos (lembra da história das carreiras solo?). A próxima cena foca numa grande cadeira vazia na ponta de uma longa mesa, numa sala onde todos os integrantes estão, menos Julian. O vocalista é mostrado sozinho, suas habilidades de atuação AFLORAM, e ele canta a música de maneira a se mostrar inquieto, confuso e perturbado. Julian “dá as cartas” (em outra alusão à sua liderança polêmica) e joga fora a bebida que está na taça que segura (ele declarou recentemente ter parado de beber).
Em certo momento Julian parece se cansar da posição em que se encontra e se levanta disposto a mudar. E é com a sequência que vem a seguir que o diretor faz a alegria dos fãs mais saudosos. Por volta do minuto 2:05, o vocalista repete exatamente os mesmos gestos que fez no primeiro clipe da banda, da música Last Nite, pegando o pedestal do microfone e o jogando pra cima. E faz isso exatamente no momento em que a letra da música diz: “Everybody’s singing the same song for ten years” (o álbum “Is This It?” foi lançado em 2001, estamos em 2011…Faça as contas.)
As cenas seguintes são de Julian passando pelos outros integrantes, e os ignorando (e sendo ignorado) até um certo ponto. Quando olha pra trás e não vê ninguém, e o solo de Nick Valensi (agora tocando uma Telecaster e não uma Epiphone) começa a encher nossos ouvidos de nada mais do que ALEGRIA, Julian passa a usar o mesmo tipo de figurino que seus colegas (sem perder seus badulaques estilosos, claro) e se dirige para o palco do antigo teatro.
E é lá que ele termina de cantar a música, agora junto de Nick, Nikolai, Albert e Fabrizio. Ele não é mais o maestro, toda responsabilidade não está mais em suas costas e a presença de todos é ressaltada como importante. A câmera se afasta pra mostrar a platéia e não vemos ninguém, o que me leva a crer que quem aplaude somos nós, na frente do computador. Antes disso, vemos sorrisos de satisfação e felicidade por estarem juntos de novo. Que só não são maiores que os sorrisos dos fãs, que acabaram de assistir o videoclipe e agora tem certeza: eles voltaram e tudo está certo novamente.

Definindo o filme Biutiful

Li por aí que o Iñarritu ficou meio de cara por seu filme, Biutiful, ter levado o toco do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Bom, eu já falei lá no @dicasdefilmes que os exageros da película tiram toda sua força e a transformam em um filme mediano, mas achei que ilustrar a situação talvez deixe tudo mais claro. Então tenho uma pergunta a fazer: vocês se lembram da cena de abertura do clássico Corra Que a Polícia Vem Aí?
Pois isso que aconteceu com o detetive Nordberg (O. J. Simpson) em Corra Que a Polícia Vem Aí é exatamente o que acontece com Javier Bardem em Biutiful – só que ao invés da porta com tinta, do fogão, da janela e etc, ele é atingido por coisas relacionadas a temas mais pesados, como câncer, bipolaridade, imigrantes ilegais e etc, com uma fotografia mais escura e uma direção de arte mais suja. Mas a ideia é basicamente a mesma.
Disso podemos concluir duas coisas: a primeira é que Iñarritu é um chorão; a segunda é que no seu próximo filme, além de todas as desgraças que costumam dar as caras, fatalmente o protagonista será assombrado por uma derrota no prêmio da Academia de Artes Cinematográficas.