Fora de formas

Nunca me dei muito bem com formas geométricas. Até acho que elas são agradáveis ao olho, mas me indigna como, não satisfeitas em serem simples, tentam se definir através de incompreensíveis equações matemáticas, tal qual aquele sujeito que enche o texto de palavras bonitas na tentativa de criar uma profundidade que ali não existe. De qualquer jeito, elas fazem parte da nossa existência, e é inevitável que acabem inspirando algumas reflexões: Borges observou que, se Deus realmente existir, Ele (ou Ela, suas feministas de uma figa) existe na forma mais perfeita de todas, o círculo, onde todos os pontos são equidistantes do centro – e o argentino provavelmente teve esse insight ao perceber a formas magnífica como uma bola se mexia quando Di Stéfano a manipulava. Mas divago.
Partindo do princípio lógico de que Borges está certo em tudo pra sempre, podemos inferir que, se Deus é um círculo, o diabo deve ser seu exato oposto: um quadrado. Porque as duas formas acabam não sendo tão diferentes entre si (imagino que, pra ser o exato oposto de algo, um objeto deva ter semelhanças com esse algo; do contrário, não haveria como identificar que são exatamente opostos, apenas que não se parecem) e, ainda assim, tão díspares quanto um adolescente e o bom senso. Coloquem um em cima do outro e percebam que parece existir uma tênue unidade entre ambos. Quase dá a impressão de que vieram do mesmo lugar, sendo o quadrado nada mais do que um círculo brilhantemente mal desenhado e projetado. E até mesmo suas funções como adjetivos explicitam tal hipótese, sendo o círculo vinculado a algo perfeito (“esse post tá redondo”) e o quadrado a algo extremamente convencional, no sentido pejorativo (“credo, esse post tá muito quadrado”). Inclusive eu poderia dizer que todas as outras formas geométricas são derivadas do quadrado (o retângulo é um quadrado com problemas de obesidade; o triângulo é um quadrado aparado; e assim por diante), mas convenhamos, chegar à conclusão de que “geometria é um inferno” não requer tanto raciocínio.
O grande problema disso é que associar o tinhoso ao quadrado obrigaria a uma penosa revisão da história e simbolismos dos últimos todos mil anos – Dante teria que trocar seus nove círculos do inferno por nove quadrados do inferno, pra começo de conversa. E, além da revolta armada dos puristas que não gostam de nenhuma mudança em obras clássicas, os adoradores do coisa-ruim o abandonariam porque não querem ser “quadrados” (afinal, ser quadrado é ser convencional), juntando-se à salvação cristã. Que, por sua vez, enxergaria no quadrado uma base muito mais sólida e representativa (podem dizer que um dos traços é a família, o outro é a religião, o outro é o café-da-manhã, e assim por diante) do que no círculo, mudando de lado também. O resultado seria não apenas perigoso, mas possivelmente catastrófico, dado o altíssimo número de pessoas em redes sociais que teriam que reafirmar suas crenças e status sociais através de frases de efeito. O mundo inteiro entraria em colapso, e provavelmente a última das guerras seria iniciada.
Portanto, a única forma de salvar o mundo é repudiar veementemente tudo que eu mesmo acabei de escrever. Doloroso, mas necessário. Então, para fins humanitários, declaro aqui que os três primeiros parágrafos deste post são fruto do mais puro fracasso intelectual: durante todo o desenvolvimento do assunto eu estava perfeita e redondamente enganado.

Drifting

Quando você está na estrada, você deixa seu lar pra trás. Deixa seus amigos pra trás. Deixa suas seguranças, suas certezas, suas respostas e até mesmo suas perguntas.

Quando você está na estrada, você não tem mais nada. Nada, a não ser o mundo inteiro à sua frente.

Na Europa

Ao longo do mês que corri alucinado de país para país no velho continente, fiz diversas anotações mentais e observações a respeito do cotidiano daquela galera, das cidades, das cervejas e das mulheres de olhos claros. Fiz porque é meio instintivo, minha cabeça é mais ou menos programada pra identificar situações passíveis de se tornarem posts (olhaí mais uma doença advinda da revolução digital), mas acho que teve seu lado bom: voltei com material suficiente pra escrever pelo menos algumas palavras interessantes a respeito dos lugares que visitei.
E foi o que eu fiz. Quer dizer, por enquanto fiz só sobre a desconcertante beleza de Paris e a apaixonante atmosfera clássica de Londres, mas tentarei chegar até o final da viagem. Então cliquem nos links acima e descubram o que acontece quando uma grande e famosa metrópole encontra alguém que quer ser o Batman.

Inspiração

A maioria das pessoas tem uma visão bastante romantizada do que chamamos de “inspiração”. Tipo, quando alguém escreve algo muito bom, compõe algo muito bom, filma algo muito bom, desenha algo muito bom, é comum dizer que tal pessoa estava inspirada.
Mas eu acho que uma coisa não tem necessariamente com a outra. A inspiração me parece ser algo que motiva, mas não necessariamente afeta o resultado final no sentido de torná-lo algo sensacional – e a não-inspiração, a transpiração, pode muito bem resultar tão bom ou melhor. Como posso falar apenas da minha experiência, pego como exemplo um post deste blog do qual me orgulho muito, este (lembrem-se que ele foi selecionados de acordo com os meus questionáveis critérios do que é bom ou não, então não me julguem se escolhi a desgraças em forma de texto). Escrevê-lo foi uma tarefa árdua, trabalhosa, repleta de dolorosos parágrafos que insistiam em se esconder nos recônditos mais distantes da minha cabeça, temendo ver a luz do dia tal qual os computadores temem a funcionalidade. Quase parido, foi fruto de muita dor de cabeça e trabalho. Houve uma inspiração, claro, que foi o momento da ideia inicial, o insight. Mas ele foi apenas o ponto de partida, e todas as palavras e nuances e sacadas e e legalzices do texto só foram surgir após eu espremer meu cérebro o suficiente pra ele gritar “chega!” e despejar tudo na tela do computador.
Para efeitos de comparação, trago também como exemplo uma situação que aconteceu enquanto eu lia o conto Nunca Aposte Sua Cabeça Com o Diabo, do Edgar Allan Poe (Ed, para os íntimos): antes mesmo de acabar a história, fui tomado por uma vontade alucinada de escrever. Após me desvincilhar do último ponto final do conto, voei até o computador, abri o Bloco de Notas (abre mais rápido que o Word, e eu sentia que era algo urgente) e digitei feito uma metralhadora o início de uma história. Pensava e criava com mais rapidez do que conseguia botar as palavras na tela. Ao final de uns cinco ou seis parágrafos, já mais calmo, me recostei na cadeira e me pus a reler tudo que havia jogado ali. E percebi que nada daquilo realmente prestava.
O que era fruto de pura inspiração, então, acabou se tornando uma fracassada tentativa de conto, agora devidamente alocada no universo das histórias que jamais foram contadas (e que jamais deveriam ser). Já o que foi resultado de apenas transpiração se mostrou muito melhor desenvolvido, mais interessante e agradável. Por isso eu digo que a visão sobre “inspiração” que as pessoas têm é bastante romantizada, já que às vezes, por mais paradoxal que pareça, a inspiração não tem fôlego pra se manter até o resultado final.