Ginástica de hardware

Comprei um notebook há pouco mais de um ano com aquela fantasia de mobilidade, de que poderia sair com ele e sentar em alguma praça bonita com uma cerveja ao lado e escrever uma obra-prima, enquanto uma Melanie Laurent qualquer passa de boina e segundas intenções na minha frente. O notebook era a promessa de liberdade, o fim da ditadura de ter que ficar sentado em frente a uma mesa e olhando sempre para a mesma paisagem feita de gesso e pintura descascando.
Após a aquisição descobri que, no mundo do hardware, não há espaço para a praticidade. Certo, o equipamento é leve, eficiente, com dimensões compactas o suficientes para permitir sua realocação para basicamente qualquer lugar, mas essa expectativa de “a qualquer hora e em qualquer lugar” não leva em consideração a outra parte do hardware: o corpo. O corpo não é leve, não é eficiente e muito menos compacto, além de ser composto por um milhão de materiais diferentes que, se não forem colocados sob condições específicas de suporte, pressão, distensão e diagramação, insistem em doer.
Porque não existe realmente uma posição cem por cento ideal ou confortável para fazer uso do notebook. Deixar ele no colo parece ser a solução mais lógica, e até funciona por algum tempo, mas logo o esquadrão formigamento ataca e é preciso remanejar as pernas, aniquilando completamente a estabilidade do equipamento – e tentar digitar uma frase sequer sem estabilidade é um convite à insanidade. A cama surge como uma alternativa promissora, com seu colchão macio e suas lembranças das comoventes sonecas tiradas ali, só que não faz muito bem para a máquina e, se você deitar ao lado do dito-cujo, mantendo-se no primeiro estágio da posição “conchinha” (e sem a preocupação de não saber onde alocar o braço livre), perceberá após sete ou oito minutos que precisará de fisioterapia; se deitar e repousar o notebook em cima do peito, perceberá após sete ou oito segundos que precisará de uma massagem no pescoço.
Urge a necessidade de criarmos uma versão do Kama Sutra com notebooks, catalogar as posições confortáveis, prazerosas, relaxantes que podem ser realizadas para ter o equipamento ao alcance e totalmente operacional. Acredito que isso aumentará a produtividade de humanidade em cerca de todos os por cento, criando uma situação ideal onde podemos aproveitar ao máximo tudo que um equipamento poderoso nos oferece. Pois até aqui, depois de anos de experimentações, tentativas e frustrações, descobri que, amarga ironia, o melhor lugar para trabalhar com o notebook é em cima da mesa.