Waiting for the rapture

Um dia qualquer desse inverno cinzento fui até o SINE resolver situações envolvendo o seguro-desemprego (uma expressão que me incomoda, devo admitir: as expressões “desemprego” e “seguro” me parecem heterogêneas, misturando-se com tanta naturalidade quanto “ônibus” e “pontualidade”. Mas divago), o tipo de empreitada que costuma consumir tempo e paciência em proporções generosas.

Ao chegar lá, logo percebi sinais daquela característica intrínseca aos brasileiros que alguns estudiosos gostam de denominar “fila”. Entretanto, não havia ninguém ali para organizar a dita-cuja – havia apenas uma nada sorridente funcionária distribuindo senhas enquanto o tédio estuprava seu rosto. Ou seja, a fila formou-se sozinha. Uma entidade independente, construída por pessoas de diferentes valores e que, em nenhum momento, ficou maior do que o espaço permitia. Isso mesmo. Sem absolutamente nada que a orientasse, a fila respeitou a diagramação espacial do lugar de uma forma irrepreensível. Sabem aqueles vídeos do Discovery que mostram centenas de peixes nadando entre si em um espaço não maior do que um prato, sem que nenhum LAMBARI acerte o outro? Foi mais ou menos o que aconteceu no SINE.
O brasileiro já nasce com a habilidade de se adaptar a um ambiente onde essa configuração sequencial é necessária. Está no seu DNA. Ou seja, não somos o país do futebol, nem do carnaval: somos o país da espera – da espera nas filas de shows, de bancos, de instituições de ensino, de tribunais, de hospitais. E de “país da espera” pra “país do futuro”, tudo que precisa é um bom insight.

Quando a coisa fica preta

Tava pensando em fazer um post sobre o processo de racismo pra cima do tal Danilo Gentilli, mas no meio do caminho me liguei que não sei mais qual é exatamente o significado da palavra “racismo” – o que antes parecia se referir à uma discriminação por cor, credo, sexualidade, gostar ou não de Transformers 2 e coisas do gênero, agora soa mais como “oportunidade para o poder público fingir que se importa com as minorias do país e, principalmente, com o politicamente correto, porque sua imagem é o bem a ser preservado”.

Imagino que a prioridade do Ministério Público deve ser mesmo a de vasculhar Twitters alheios para descobrir se alguma celebridade disse algo que pode ser condenado. De certa forma, é como se o governo tivesse sua própria Contigo. Prevejo eventualmente alguma confusão entre MP, paparazzis e Luana Piovani.

Se o processo não for por racismo, e sim porque a piada é tão ruim que até um estudante de Direito conseguiria ser mais engraçado, desconsiderem este post. Nesse caso, não apenas concordo com o processo como apoio totalmente a pena de dez anos no Zorra Total.

Tiroteios, fugas, garotas e fotografia

Inimigos Públicos (Public Enemies)
3/5
Direção: Michael Mann
Roteiro: Ronan Bennet, Michael Mann e Ann Biderman, baseados em livro de Bryan Burrough
Elenco
Johnny Depp (John Dillinger)
Christian Bale (Melvis Purvis)
Marion Cottilard (Billie Frechete)
Billy Crudup (J. Edgar Hoover)
Na década de 30 (conhecida como pós-crash ou pré-guerra),John Dillinger é um cara bacana, educado, informado, que se preocupa com o público e, apenas por acaso, rouba bancos e atira em pessoas. Então J. Edgar. Hoover, por não gostar de pessoas bacanas, educadas, informadas e que se preocupam com o público, chama o BATMAN pra caçar o sujeito.

O fato de se voltar contra os bancos e não tirar dinheiro das pessoas comuns, em uma situação onde a quebra da bolsa fez a imagem das instituições financeiras mais ou menos como a do Bush Jr. hoje em dia, deu a John Dillinger uma imagem um tanto heróica. Some isso ao fato de que é fácil o espectador torcer pelo bandido num filme e a personagem é interpretada por Johnny Depp, e pronto, já temos a conexão público-protagonista eficientemente armada.

O que é uma coisa boa. Com duas horas e dez minutos de duração, Inimigos Públicos não consegue construir de forma suficiente a imagem de John Dillinger. Existem cenas que dão pistas e deixam marcadas algumas características do sujeito, mas o romance dele com Billie, por exemplo, parece algo mais imposto pelo roteiro do que justificado por atitudes. Ainda assim, Johnny Depp consegue trazer toda a confiança e perspicácia necessárias para alguém do quilate do bandido – prova disso é quando, ao ser entrevistado por diversas câmeras, ele consegue virar o jogo e tornar-se o centro das atenções de forma positiva, apenas com alguns trejeitos e olhares. Com menos tempo em cena, o resto do elenco cumpre seu papel ao tornar interessantes personagens que, durante boa parte da projeção, limitam-se a mover a história para a frente.

Mas se o roteiro carece de alguns chuleios e arremates, o mesmo não pode se dizer do visual: com a câmera na mão e sempre sacolejando feito um avião em “área de instabilidade climática”, o diretor Michael Mann busca a urgência de John Dillinger, cuja existência era permeada por uma atmosfera de constante movimento. Fotografa a Chicago dos anos 30 com uma beleza única, principalmente nas cenas noturnas, onde as sombras crescem e tornam-se parte da paisagem (destaque para o tiroteio no bosque, onde a iluminação vem praticamente só do fogo das armas. Me senti compelido a aplaudir de pé e mandar uma carta ao Louvre sugerindo que coloquem essa cena num quadro e a pendurem por lá). E é impressionante a preocupação do diretor com detalhes, chegando a captar o brilho no olho de Billie em uma conversa com John.
Beneficiado pelo AFINCO da equipe nas questões técnicas (fotografia, desing de som, desing de produção, entre outras que fariam vocês me xingarem de fresco se eu citasse), no geral Inimigos Públicos torna-se um excelente filme, embora tenha faltado Danoninho para construir uma história mais coesa e cativante. Infelizmente, não foi dessa vez que eu pude usar os trocadilhos “acertou em cheio” nem “o tiro saiu pela culatra”. Paciência. Outras histórias de gângsters virão.

Soccer S.A.

Naquela que talvez é a punição mais irrelevante da história dos esportes, a Major League Soccer decidiu multar David Beckham em mil dólares por desafiar alguns fãs do L.A. Galaxy para uma briga, durante jogo da semana passada.

Pra registro, mil dólares pra David Beckham é como catorze centavos para o resto dos jogadores do seu time.

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Tradução minha e livre dessa matéria aqui. Beckham deve estar aliviado que a coisa ficou apenas no plano das palavras – se ele e o torcedor tivessem ido às vias de fato, parece que a MLS ia punir o inglês dando a ele um carro novo.

De doenças

Cedo de manhã, enquanto o ar condicionado da cidade de Porto Alegre ainda estava ligado na temperatura “Aspen”, tomei o caminho até o centro para visitar uma repartição pública – e esta, como sempre, abrigava mais pessoas do que a torcida adversária em um Grenal.

Enquanto aguardava durante alguns cento e vinte minutos no local, astutamente percebi que os funcionários dos guichês pegavam panos embebidos a álcool para limpar suas mesas, canetas e outros objetos que fossem utilizados pelos clientes. Faziam isso toda vez que acabava o atendimento e outra pessoa se dirigia ao guichê. Certamente uma orientação graças à nova gripe, que vai se espalhando e já atacou violentamente dezenas de jornais pelo país.

No entanto, é de se questionar: em uma sala cheia de pessoas, todas tossindo, espirrando, respirando o mesmo ar, fazendo algazarra e mais sei lá o que, a ação tomada para evitar o contágio da gripe é limpar mesinhas com paninhos vermelhos?

É como se houvesse um incêndio colossal em uma fábrica com milhares de trabalhadores e os bombeiros mandassem pra lá apenas um sujeito com um tubinho de Hipogloss.

Geléia meio sem gosto

A quem interessar possa: foi lançada ontem, e obviamente também vazada na internet ontem, a canção The Fixer, single do próximo disco do Pearl Jam (Backspacer é o nome do dito-cujo).

A música até é bem legal e tudo mais, e eu certamente pagaria uma cerveja pra ela. Mas parece que a distorçãozinha de guitarras usada em praticamente todo o disco Riot Act (2002) tornou-se um parasita da banda, pois manteve-se abraçada ao pescoço dos caras durante o álbum seguinte (Pearl Jam, 2006) e agora permeia The Fixer de cabo a rabo.

Essa produção propositalmente “alternativa” (se considerarmos “alternativa” como sinônimo de “meia-boca”, claro) simplesmente arranca qualquer clima que a música poderia construir e joga dentro de um poço. É uma canção boa de ouvir, original e até mesmo criativa, mas não sei, falta algo. Parece pouco demais pra segurar a expectativa de um novo lançamento do Pearl Jam.

Curtas

Ele Não Está Tão a Fim de Você – 3/5
De uns tempos pra cá, parece que as comédias românticas engrenaram um pouco, colocando momentos realmente engraçados no meio daquele panelão de clichês que costuma entrar em cena. Ele Não Está… faz parte dessa leva: embora jogue tendo na zaga aqueles momentos que fazem as mulheres suspirarem nos cinemas porque ainda não encontraram o amor, consegue construir sequências engraçadas, inspiradas, e até mesmo boas cenas dramáticas.

A Outra – 1/5
Aparentemente, com a grana usada para contratar Natalie Portman, Scarlett Johansson e Eric Bana, não sobrou nenhum centavo pra investir no resto da produção. A história é mais cortada que palavrão em filme da Globo, as cenas são forçadas, e o drama é tão superficial que daria pra fazer uma piscina de bebês com ele. E não, não rola putaria.

Marley & Eu – 3/5
Tirando o bom elenco (Jennifer Aniston, mais uma vez, provando que tem talento demais pra ser ofuscada pela Rachel de Friends), o filme não tem nada demais. Não tem mesmo. Entretanto, se a pessoa já, pelo menos uma vez na vida, sequer segurou um cachorro nas mãos, vai desovar lágrimas o suficiente para resolver o problema da falta de água no mundo.

O Cativeiro – 3/5
A premissa do filme é bem interessante. A trama desenvolvida, apesar de um tanto batida, também dá pro gasto. As reviravoltas na história são críveis. A execução cumpre seu papel. Enfim, tem tudo certinho, mas, assim como o Grêmio de 2007, falta um Riquelme em algum lugar por ali.

Evolução

Cada vez que percebo os avanços tecnológicos que o homem alcançou desde que aprendeu a esfregar dois pauzinhos e fazer fogo (insight mais genial da história), fico impressionado. Certo, ainda não estamos na época dos carros voadores, mas já despachamos uma galera até aquela bolona branca no céu, transferimos arquivos pelo ar, podemos estabelecer a temperatura que quisermos dentro de um ambiente fechado, temos um telefone que faz muitos computadores parecerem um Pense Bem, possuímos acesso a praticamente todo o conhecimento do mundo em questão de minutos.

Entretanto, devo dizer que nada disso, nem mesmo o Winning Eleven, me arrebatou tanto quanto o que vou mostrar a seguir:

Home Theater 5 in 1: pra torcer pelo Grêmio e secar o Inter ao mesmo tempo

Home Theater com tema do Indiana Jones – de tirar o chapéu

Home Theater com tema do Batman. Eu não sabia que a felicidade podia ser literalmente comprada.

Confiram mais fotos dessas genialidades criadas pelo homem e de outros complexos de lazer absoluto aqui.

Sem brincadeiras

Harry Potter e o Enigma do Príncipe (Harry Potter and the Half-Blood Prince)
5/5

Direção: David Yates
Roteiro: Steve Kloves, baseado em livro de J. K. Rowling (como se vocês não soubessem essa última parte)

Elenco
Daniel Radcliff (Harry Potter)
Emma Watson (Hermione Granger)
Rupert Grint (Ronald Weasley)

Quando mais um ano começa em Hogwarts, Harry Potter e sua turminha do barulho precisam aprender a lidar com seus hormônios e com os nefastos Comensais da Morte rondando por perto – embora, todos saibam, problemas com mulheres fazem os inimigos do bruxo tão assustadores quanto o Botafogo. Paralelo a isso, o professor Dumbledore e Potter investigam o passado de Voldemort pra descobrir qual é a moral daquele sujeito.

Dizer que o filme literalmente já começa sombrio não seria exagero: o logo da Warner surge em meio a um céu nublado, e a primeira cena mostra o protagonista arrasado com tudo que aconteceu no episódio anterior. Daí pra frente, a atmosfera da película mantém-se tensa até o final. Os sorrisos e brincadeiras nos corredores da escola foram substituídos por expressões sisudas. A câmera se esgueira pelos cantos, como se estivesse sempre à espreita. E a própria mágica já tornou-se algo corriqueiro, parte do dia-a-dia – se nos primeiros episódios da série ela era divertida, aqui os feitiços não possuem, digamos, intenções tão inocentes. Contribui para esse climão a fotografia, que capta boa parte das imagens de forma quase monocromática (com exceção de lugares mais confortáveis, como a casa dos Weasley), e a trilha melancólica que chora solenemente durante a projeção.

Todas essas decisões são acertadas, pois O Enigma do Príncipe começa o segmento final da série (ainda virão mais dois filmes, que vão dividir Relíquias da Morte, o último livro). Assim sendo, aumenta a carga dramática de cada cena, aumenta a pressão em cima dos protagonistas, aumentam as escolhas difíceis que cada um precisa fazer. O tom de urgência fica claro em duas sequências de ação desnorteantes: o ataque à casa dos Weasley (sem trilha, edição ágil, correria do cão, nível DEFCON 1 de suspense) e o quebra-quebra entre Draco e Harry (antes prerrogativa para piadas e situações engraçadas, agora o antagonismo dos dois leva a uma das cenas mais chocantes do longa). Sim, nesse filme não tem nada de fair play, aqui vale carrinho desleal por cima da bola, cotovelaço quando o juiz não tá olhando, puxar cabelo, esse tipo de coisa. O buraco desce ainda mais quando vemos que Dumbledore, normalmente calmo e pacato como um funcionário público, fica ansioso e preocupado com o rumo dos acontecimentos. A perturbação da personagem mais sensata da série é sinal de que vem problema.

Foi um longo trajeto desde o divertido Harry Potter e a Pedra Filosofal até este tenso Harry Potter e o Enigma do Príncipe. E o mais impressionante é que foi uma mudança gradual, como se Harry, Ron e Hermione estivessem crescendo junto com seus fãs. Esta última película representa um ponto sem volta na vida das personagens, onde elas precisam enfrentar o fato de que nem sempre há um final feliz. Essa aproximação entre os bruxos e as pessoas comuns é que envolve o espectador com o filme. Os efeitos especiais são impressionantes, certo, mas é nos pequenos momentos onde o trio protagonista se comporta simplesmente como um bando de amigos que a história faz sua mágica.

Zoo Station

Andei lendo por aí que ativistas meio-ambientísticos consideram a nova turnê do U2 (com um palco que faz a ISS parecer uma caixa de Lego) uma afronta à natureza – de acordo com o site carboonfootprint.com, a quantidade de CO2 emitida pela turnê seria suficiente para levar os roqueiros à Marte e trazê-los de volta. Imagino que isso seja muito, uma vez que, assim como qualquer pessoa, eu não faço idéia do que seja necessário para levar uma condução até nosso vizinho vermelho, e pra mim a definição dada pelo site é tão pertinente quanto os canais da NET antes do AXN.

A coisa piora porque todo mundo sabe que o U2 é uma banda politicamente engajada. Os integrantes da banda de rock U2, conhecidos por fazer campanhas em prol do meio ambiente, de acordo com a matéria da Veja. Só que eu não me lembro exatamente dos irlandeses indo salvar focas no ártico ou plantando árvores mundo afora. Na verdade, não me recordo de ter visto Bono na conferência pelo meio ambiente. O que é estranho, já que o rótulo de “banda politicamente engajada” automaticamente os coloca no time daqueles que fazem campanha em prol do meio ambiente, certo? Ainda que a banda toque pouco nesse assunto (no site, só achei um link pro Greenpeace; em shows ou o Bono visitando animais em extinção e florestas queimadas, nunca vi nada relacionado).

Não que isso justifique eles utilizarem um Transformer como palco, não é esse o ponto. Só que ao ver a imprensa defensora dos fracos e oprimidos gritando “como o U2 quer salvar o mundo se polui o ar?”, sem agregar nenhuma informação que dê embasamento à essa afirmação, lembrei de uma questão pertinente a outra pauta que tomou conta dos veículos de mídia: por que tanta confusão com a não-obrigatoriedade do diploma para jornalista? O próprio jornalismo já não é obrigatório há muito tempo.