2010 sob as lentes

E o final de ano chegou, com suas festas regadas a boa comida, álcool de sobra, e, o melhor, pessoas que comeram e beberam demais pagando mico. Enquanto isso, aqui na Peliculosidade a gente fica tomando uma cervejinha MAROTA enquanto prepara os destaques cinematográficos de 2010. Então, sem mais delongas nem PLANOS-SEQUÊNCIA, segue abaixo a tão esperada lista, com o título original e o diretor do filme em parênteses e o link pra crítica do respectivo filme aqui no blog (obviamente devo ter sido injusto e deixado vários de fora sem querer. Podem me corrigir com impropérios nos comentários). São eles:

Sherlock Holmes (idem, Guy Ritchie)
A Todo Volume (It Might Get Loud, Davis Guggenheim)
Guerra ao Terror (The Hurt Locker, Kathryn Bigelow)
Zumbilândia (Zombieland, Ruben Fleischer)
Ilha do Medo (Shutter Island, Martin Scorsese)
Homem de Ferro 2 (Iron Man 2, Jon Favreau)
Entre os Muros da Escola (Entre Les Murs, Laurent Cantet – na verdade foi lançado no Brasil em 2009, mas, como é uma AULA de cinema, mandei a linearidade do tempo às favas e resolvi citar aqui)
Toy Story 3 (idem, John Lasseter)
As Melhores Coisas do Mundo (idem, Laís Bodanzky)
Kick-Ass – Quebrando Tudo (Kick-Ass, Matthew Vaughn)
Lady Vingança (Chinjeolhan Geumjasshi, Park Chan-Wook – também não sei em que ano foi lançado por aqui, mas como só achei pra assistir em 2010, vai pra lista)
Onde Vivem os Monstros (Where the Wild Things Are, Spike Jonze)
Tá Rindo do Quê? (Funny People, Judd Apatow)
O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus (The Imaginarium of Doctor Parnassus, Terry Gilliam)
O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, Juan José Campanella)
Os Homens que Encaravam Cabras (The Men Who Stare at Goats, Grant Heslov)
Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme (Wall Street: Money Never Sleeps, Oliver Stone)
Tropa de Elite 2 (idem, José Padilha)
Atração Perigosa (The Town, Ben Affleck)
Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 (Harry Potter and the Deadly Hallows: Part 1, David Yates)
Os Outros Caras (The Other Guys, Adam McKey)
O Escritor Fantasma (The Ghost Writer, Roman Polanski)
Scott Pilgrim Contra o Mundo (Scott Pilgrim vs the World, Edgar Wright)
Get Low (idem, Aaron Schneider)

Os Piores
Os quatro cavaleiros do apocalipse. Dizem por aí que eles representam coisas não muito bacanas como conquista, fome, guerra e morte, mas ah, quem dera fosse isso. O quarteto maléfico, na real, é uma alegoria aos 4 piores filmes de 2010, claramente trazidos à esse mundo para praticar o mal total. São eles: Os Mercenários, que foge de sua proposta e tenta botar sentimentos e história onde deveria existir apenas MÚSCULOS e EXPLOSÕES; Comer, Rezar, Amar, com um roteiro tão chato que deve ter sido escrito em JURISDIQUÊS; O Último Mestre do Ar, que manda pelos ares qualquer resquício de competência cinematográfica; e As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada, que, apesar de se passar em um barco, dá com os burros n’água o tempo todo.
A Surpresa
Eu juro que não esperava muita coisa de Como Treinar Seu Dragão – afinal, as animações da Dreamworks costumam ficar num nível tipo “ok, depois de algumas cervejas eu pegava fácil”. Mas daí vieram os diretores Dean DeBlois e Chris Sanders e VARRERAM a minha mente com cenas de ação alucinadas, sequências épicas e duas personagens que conquistaram meu coração com mais força do que qualquer mulher jamais o fez. Tanto que comprei o DVD do filme e, mesmo em uma TV, tive que assistir à película inteira de PÉ, tamanha a emoção transmitida por estes dragões supimpas.

Os Melhores
Foi bem difícil. Foi complicado. Até mesmo doloroso, às vezes. Mas após muita luta consegui eleger os três melhores filmes do ano, dispostos abaixo. Preparem seus corações.

3 – A Estrada (The Road, John Hillcoat)
Após ler A Estrada, de Cormac McCarthy, e passar oito dias chorando enrolado no cobertor, imaginei que seria impossível transpor tamanha desolação para um filme. Eis que de algum lugar do mundo John Hillcoat gritou “DESAFIO ACEITO!” e botou a mão na massa. Escapou dos tradicionais erros de adaptações, chamou um roteirista que realizou um trabalho brilhante, escalou o devastador Viggo Mortensen no papel principal, e pronto: A Estrada, o filme, possui o mesmo clima desolador de A Estrada, o livro. Vitória total e inquestionável desse John Hillcoat aí. Que até talvez merecesse um lugar melhor neste top 3, mas é inevitável…
2 – A Rede Social (The Social Network, David Fincher)
… soltar fogos de artifício frente à inspiração absoluta dos endiabrados David Fincher e Aaron Sorkin (roteirista). Afinal, os caras fizeram de um filme sobre um SITE uma obra complexa, intensa, desafiadora, onde cada diálogo deveria concorrer ao prêmio Nobel de literatura e cada plano é a definição do dicionário para “sucesso”. Contando ainda com um elenco CONECTADO, A Rede Social torna-se uma das películas mais acachapantes do ano, digna de ser assistida de novo e de novo. Poderia ocupar até a primeira posição nesta lista. Infelizmente, Fincher não contava…
1 – A Origem (Inception, Christopher Nolan)
… que Cristopher Nolan, esse sonhador DESENFREADO, desmembrasse o cérebro do público com uma trama envolvendo assaltos, sonhos, subsonhos, subsubsonhos, sub³sonhos e ideias. A Origem é uma BELEZURA visual tanto quanto uma história complexa, que, apesar de suas diversas variantes, jamais foge de uma lógica interna estabelecida de forma clara e coerente. Nolan brinca com a percepção do espectador tal qual a imprensa brinca com as notícias, esconde pistas, sugere hipóteses, tudo isso sem atrapalhar o ritmo da narrativa. Após o épico plano final do filme, tudo que resta às pessoas é discutir a obra infinitas vezes, compartilhando suas ideias e montando sua interpretação pessoal dos acontecimentos. Isso tudo levará o  público a conferir A Origem mais uma vez, para certificar-se de um ou outro ponto. E mais uma vez as pessoas ficarão maravilhadas com toda a criatividade e a intensidade desta verdadeira obra-prima.

E esse foi o ano de 2010 no cinema. Vocês podem conferir pequenos comentários sobre todos os filmes aqui citados (e mais um monte de outros) no @dicasdefilmes. E aguardem pela próxima edição de Peliculosidade, onde trarei uma lista com os 10 melhores filmes da década de 2000 (e com certeza serei apedrejado). Um abraço e um feliz 2011 a todos.

Os Big Brothers da vida

O Big Brother Brasil faz todo esse sucesso por um motivo: ele simula aquela paixão que as pessoas têm de espionarem seus vizinhos (sim, você aí que fica na frente da porta do vizinho ouvindo quando há alguma discussão na casa dele, você faz parte do SISTEMA). Tudo bem, normalmente nossas vizinhas são um pouco mais velhas do que as moças do BBB e normalmente possuem corpos mais suscetíveis à ação da gravidade, mas o princípio é o mesmo. Além do mais, admita, você queria ter as moças do BBB como vizinhas para poder espioná-las, que é o que você faz quando assiste ao BBB, o que prova que a mente das pessoas é uma espécie de círculo vicioso voyeur.
E agora vem mais um Big Brother Brasil por aí, o BBB 11. Mas eu realmente não vejo necessidade de uma nova versão do programa, sério mesmo. Afinal, o que mais tem pela internet são vídeos de pessoas brigando, discutindo, se xingando, casais fazendo sexo, flagras de celebridades sem calcinha, mulheres gostosas e seminuas dançando e por aí vai. A inclusão digital tornou o mundo um grande Big Brother Brasil, e não é mais preciso esperar por horários determinados para presenciar todas aquelas situações citadas acima – na verdade, uma rápida olhada na web mostra que esse tipo de conteúdo é o que mais faz sucesso na rede mundial de computadores. As principais características do programa de maior audiência da Globo também possuem a maior audiência na internet. É só procurar.
E se bater uma saudade, certamente vai dar pra achar os melhores momentos do BBB 11 no YouTube.

O amor nos tempos da publicidade

Amor por Contrato (The Joneses)
1/5

Direção: Derrick Borte
Roteiro: Derrick Borte e Randy T. Dinzler

Elenco
Demi Moore (Kate Jones)
Fox Mulder David Duchovny (Steve Jones)

Uma família perfeita se muda para um bairro de classe média-milionária, onde aparentemente há uma competição para ver qual casa consegue ser maior do que um shopping center. Mas acontece que essa família não é realmente uma família, e sim um AJUNTAMENTO de pessoas que foram colocadas ali para fazer “marketing invisível” de diversos produtos. E, em uma reviravolta jamais vista na história das comédias românticas, o casal de mentira começa a se apaixonar de verdade.

Que trama batuta tem esse filme, não? Ao longo dessa história dava pra mostrar como as pessoas são dependentes do status, como a publicidade guia nossas vidas, como é difícil hoje em dia distinguir o que é propaganda e o que não é, como uma personagem acabaria confundindo a vida real com a vida não-real, enfim, dava pra matar uma ninhada de coelhos ninfomaníacos com uma cajadada só. E a película tenta fazer isso. Só que tenta de forma tão desgraçadamente fracassada que, tenho certeza absoluta, o DVD de Amor por Contrato virá com uma injeção de adrenalina junto pra evitar que as pessoas sejam assassinadas pelo tédio durante a sessão.

Injeção de adrenalina.
A base na qual a estrutura derrotada do filme é construída é um roteiro preguiçoso. Provavelmente com o cérebro obstruído pelos clichês de comédia romântica que assistiram como pesquisa, os roteiristas ignoram Darwin e decidem que as coisas não precisam evoluir pra chegar em determinado ponto. Então quando Mick acaba indiretamente envolvido em um acidente de carro, por exemplo, o espectador tem a sensação de que o cara na sala de projeção do cinema trocou de canal. Porque nem a situação nem a personagem foram desenvolvidos o suficiente para que aquilo se encaixe de forma orgânica na trama, fazendo com que tudo soe extremamente forçado. E Amor por Contrato é basicamente uma hora e meia apenas disso, de cenas que parecem inseridas de SUPETÃO, que estão ali por necessidade do roteiro e não por continuidade da história. Graças a essa balbúrdia a grande epifania de Steve no final não possui força nenhuma. O público não compra a mensagem (trocadilho obrigatório) do filme.
Trabalhando com uma direção de arte competente, que consegue transmitir uma certa impessoalidade e falsidade através de pequenos detalhes (a organização e limpeza impecáveis das casas, principalmente da família Jones, como se realmente fosse uma loja), o diretor Derrick Borte busca aquele visual de propaganda de margarina, enquadramentos convencionais, com cores bonitinhas saltitando serelepes pela tela e tal. No geral é uma direção elegante, sem grandes invencionices e que até tenta ser subjetiva de vez em quando, mas acaba se chocando com o óbvio (Kate correndo em uma direção enquanto cinco de suas “amigas” correm na direção contrária; os três assentos vazios ao lado de Steve na mesa de jantar). E não ajuda muito ter Duchovny ligado no modo “estou chapado e inexpressivo” (embora ligeiramente carismático) ao lado de uma Demi Moore que consegue ser mais solta e natural, mas com roupas demais para conseguir desviar atenção do péssimo roteiro.
Em algum lugar de Amor por Contrato havia alguém disposto a tocar o terror na sociedade do consumismo. Entretanto, claramente possuído pelo lado ROSA da Força, o filme foi pro lado das comédias românticas previsíveis. O que não deixa de ter sua ironia: no final das contas, a película é tão vazia, artificial e desinteressante quanto a família que é o centro de sua história.

A verdade sobre os mitos natalinos

Tomada pelo espírito ARQUIVO X, a equipe do Cataclisma investigou incessantemente e descobriu quais  lendas do Natal são verdade e quais não são. Confira:
– O trenó do Papai Noel é puxado por renas.
MENTIRA! Papai Noel há muito trocou o poder das renas pelo poder dos cavalos.
“Pé na tábua, Rudolph!”

– Papai Noel e os elfos fabricam os presentes em um lugar mágico, cheio de bondade, alegria e outros conceitos criados pela Disney.
MENTIRA! Papai Noel fabrica os presentes em fábricas clandestinas na China, pagando sessenta centavos a hora para crianças.
“O primeiro a reclamar do ritmo de trabalho vai ser mandado de volta pra Nike.”

– Papai Noel se alimenta de leite e biscoitos deixados pelas crianças.
VERDADE! E, pela semelhança física, podemos inferir que o Ronaldo Fenômeno segue a mesma dieta.
E ele ainda tem como ajudante o Iarley, que é do tamanho de um elfo. Soa familiar?

– Papai Noel tem uma lista dizendo quais crianças foram boas e quais foram más.
MENTIRA! Papai Noel apenas tem acesso os documentos do governo, que possui registros, fotos e vídeos de todos os detalhes das nossas vidas.
“Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma criança abrindo um presente e ganhando um par de meias – para sempre.”

– O correio não entrega cartas no Pólo Norte.
VERDADE! O Correio não entrega cartas em lugar nenhum do mundo.
“Quem, eu me preocupar?”

– Papai Noel entra nas casas pela chaminé.
MENTIRA! Alguma vez na vida você realmente já viu uma casa com chaminé?
Onde essas pessoas fazem churrasco, meu Deus?

– É fisicamente impossível Papai Noel dar a volta ao mundo para entregar todos os presentes em uma noite.
MENTIRA! Papai Noel é filiado à FIFA e, tal qual o Corinthians, acha que não precisa passar por continentes como América do Sul para dar a volta ao mundo.
“Bem, como o Palmeiras foi bonzinho e não incomodou ninguém esse ano, vai ganhar 4 títulos nacionais de presente.”

Globo Esporte sensacionalizando tudo

Reparem no print abaixo, retirado do site do Globo Esporte (podem clicar na imagem para vê-la em tamanho “não precisarei de óculos daqui a um ano”):

Pois bem. Vou copiar aqui os trechos marcados e comentá-los de acordo com a minha visão da balbúrdia:
1: Amorim diz que Grêmio deveria pagar dívida antes de tentar Ronaldinho.

Ao ler este título, os gremistas ficam SENTIDOS e começam a comentar o fato entre si no MSN, sempre utilizando de alguma forma as expressões “bala perdida”, “guerra civil” e “presidiários” ao falar sobre o Flamengo e o Rio de Janeiro (e convenhamos, é compreensível. Quem é a Patrícia Amorim pra falar das finanças do Grêmio? Ela é que vive endividada e em guerra civil! Ela e aquele time de presidiários que precisam ficar desviando de balas perdidas no treino). Daí alguém lembra que o Grêmio venceu a Copa do Brasil de 1997 em cima do Flamengo no Maracanã lotado. Risadas efêmeras e o tópico da dívida já nem é mais discutido.
2: Sobre o Grêmio, Patrícia Amorim disse que, antes de tentarem contratar Ronaldinho, os gaúchos deveriam pagar os cerca de R$ 7 milhões que devem ao Fla por causa da compra de Rodrigo Mendes.

Opa. Em primeiro lugar, o mito Rodrigo Mendes jamais deve ser associado a qualquer notícia pejorativa. Vamos manter um nível civilizado, né. Enfim, agora o bicho pega de vez: os gremistas, tomados pela CÓLERA, pegam sua mais poderosa arma e twittam alucinadamente, mas jamais lembrando-se do argumento definitivo (que tipo de time tem apelidinho de “Fla”? Por favor). Flamenguistas respondem. O assunto ganha ares épicos nas redes sociais, fazendo com que muitos publicitários adeptos das “novas tecnologias” dêem vários prints e molhem as calças. O horror, o horror.
3: “Não me preocupa o Grêmio. Só a dívida que ele tem com o Flamengo. Disputar jogadores é uma coisa de mercado.” (declaração da Patrícia)

Mas vem cá, como é que essa mulher tem a PACHORRA de… O que? Espera aí. Se essa é a declaração dela, onde está a parte de “o Grêmio deveria pagar a dívida antes de tentar Ronaldinho”? Será que eu interpretei errado ou ela está apenas dizendo que vai tentar contratar o Little Ronaldo mesmo com a concorrência do Grêmio? Poderia até jurar que, na declaração, tudo que a frase da dívida faz é reforçar que o Flamengo não teme o clube gaúcho nessa disputa pelo jogador do Milan. Mas ah, sei lá, minha interpretação provavelmente está equivocada. Embora minhas limitações não me permitam ver, tenho certeza que, em algum lugar do texto, a Patrícia realmente falou que o Grêmio precisa pagar antes de tentar o Ronaldinho. Afinal, tá no TÍTULO da matéria, né?

O Google enquanto Oráculo

A nossa geração se gaba de ter acesso a qualquer informação de qualquer lugar a qualquer hora e em qualquer língua. Com o Google colocando um tapete vermelho repleto de resultados de pesquisas na frente dos usuários, o conhecimento se tornou desnecessário: tudo está armazenado nesse grande mundial do Corinthians que é o mundo virtual (as pessoas falam dele, mas não existe de verdade), e pode ser acessado em momentos de extrema necessidade. Dessa forma o Google, tal qual um oráculo, diz às pessoas como se dá nó em gravata, quem venceu a batalha dos 100 anos, quantos anos durou a batalha dos 100 anos, o que é capitalismo, socialismo, anarquismo e até mesmo o número de gols e assistências do atacante Jonas em 2010 (42/20).
Mas tudo isso acabou, e acabou graças a dois termos em inglês implementados nas estratégias de comunicação ao redor do globo: search marketing. De forma vil e buscando apenas um lucro maléfico, publicitários decodificaram o funcionamento do sistema de buscas do site. Agora, em posse de tal conhecimento, podem manipular o buscador, garantindo que os sites de seus clientes assumam a pole-position na busca pela verdade. A credibilidade do Google foi comprometida. Os resultados podem estar corrompidos. Nada é realmente o que se vê.
Todo cuidado agora é pouco. O nó de gravata que você vê como fazer na internet pode ser plano da TEVAH para padronizar as pessoas. O vencedor da Guerra da Secessão pode ser ditado pela Smith & Wesson. O Santos pode ter oito títulos nacionais. Os primeiros resultados exibidos pelo Google não são mais confiáveis, mas as pessoas já têm o buscador como porta de entrada do conhecimento.
Se vocês que ainda possuem suas enciclopédias Barsa em casa estão lendo isso, prestem bastante atenção: vocês são a resistência.

Enquanto isso, dentro da CPU…

Tron – O Legado (TRON: Legacy)
3/5
Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Edward Kitsis e Adam Horowitz
Elenco
Jeff Bridges (Kevin Flynn/CLU)
Garett Hedlund (Sam Flynn)
Olivia Wilde (Quorra)
Depois de visitar o mundo virtual no primeiro filme, Kevin Flynn tornou-se pioneiro entre os nerds e montou uma muito bem sucedida empresa de softwares e games (e pioneiro também porque ele teve um filho, ou seja, foi um nerd que FEZ SEXO). Mas daí num belo dia de 1989 ele some e nunca mais volta pra casa, e dez anos depois seu filho, já crescido, acaba engolido pelo mesmo sistema virtual, onde precisa não apenas sobreviver mas também encontrar seu pai e salvar o mundo.
Tal qual os programas de auditório transmitidos aos domingos, este Tron – O Legado é muito mais centrado no visual do que no conteúdo. O que não é um demérito, claro – e considerando que o filme anterior buscava exatamente essa abordagem, tá tudo em casa. E a película ainda consegue ser uma das primeiras a usar o 3D de forma pertinente, colocando as tais 3 dimensões em campo apenas quando Sam entra na Grade, e deixando o mundo real em 2D (ou talvez Deus tenha obrigado os produtores a mostrar a Olivia Wilde em 3D).
Me joga na parede e me chama de usuário.


A trama do filme trabalha com temas bastante conhecidos pelos espectadores, porque daí não precisa perder tempo explicando: tem o vilão que manda em todo mundo e quer mandar em mais gente ainda, o herói por acaso, a mocinha corajosa e gostosa, o sujeito que ensina sobre o mundo novo e por aí vai. Infelizmente isso deixa tudo muito na superficialidade, e as informações que ficamos sabendo a respeito daquele PENSE BEM VITAMINADO respeitam o mínimo necessário para que a história siga nos trilhos (ou então são citadas sem nenhum sentido ou raciocínio em cima, tornando-se, bem, ininteligíveis. Mais ou menos como aqueles textos bonitos que não dizem absolutamente nada). As personagens tornam-se praticamente unidimensionais, cuja unica motivação é o mantra “vamos dar o fora daqui”, deixando o filme meio que como um videogamezão. Ao mesmo tempo, Tron – O Legado possui uma trama central forte, permitindo que o espectador consiga ver sempre o “ponto de chegada” e entender as ações tomadas pelas personagens, deixando assim espaço para a ação e o CGI total. E em alguns momentos a obra até acena com conceitos que parecem interessantes, mas logo todos eles são vítimas da tecla “Delete”.
Contando com efeitos especiais claramente ANABOLIZADOS, Tron – O Legado é um deleite visual tão intenso que merecia no mínimo a capa de alguma Playboy. O mundo dentro da Grade é impressionante, ao mesmo tempo opressivo e hi-tech, ameaçador e fascinante, além de claramente possuir uma caracterização marcante (coloque doze mundos de ficção científica lado a lado e você saberá facilmente qual deles pertence a Tron). E diretor não tem medo de explorar seus recursos, utilizando a câmera lenta com propriedade dentro de ótimas sequências de ação (a das motocas é sensacional)  e gerenciando bem a COSTURA entre o CGI e a galerinha real (a já citada cena da motos, por exemplo, ganha emoção porque eventualmente vemos o rosto dos atores atrás dos capacetes).  Ainda há de se RETUITAR o brilhante trabalho da direção de arte, que mantém uma unidade com o filme original ao mesmo tem em que consegue modernizar as estruturas dentro da Grade (e vejam o sucesso que fizeram ao colocar o recinto de Kevin Flynn todo branco e mobiliado, contrastando violentamente com o preto impessoal daquele mundo), e a trilha da dupla francesa Daft Punk, que cria o climão necessário através de sons e músicas eletrônicas. Pertinência total.
O maior problema da película é o seu ator principal, que aparentemente teve quaisquer vestígios de carisma e expressividade EXORCIZADOS de sua pessoa. Isso faz de Sam uma daquelas tias chatas que vêm de longe pra reunião de família: a gente aceita ela como parte do contexto geral, mas torce pra que não fiquem muito tempo. Até porque Olivia Wilde, além de tornar a espetacular direção de arte obsoleta no que diz respeito a “traços perfeitos”, possui uma presença muito forte em cena e conquista facilmente o espectador, conferindo à Quorra intensidade e até mesmo ingenuidade (ela volta e meia baixa um pouco a cabeça quando conversa com um dos Flynns, como numa reverência). Já Jeff Bridges embarca na diversão absoluta ao compor Kevin Flynn como um hippie-tecno-nerd-filósofo-jedi, e é incrível como o filme ganha vida cada vez que ele está em cena. Bridges fatalmente caiu num caldeirão de carisma quando era pequeno, e é graças ao seu talento que Tron – O Legado ganha alguns pontos no atributo “dramaticidade”.
No final das contas, o filme puxa pro lado da diversão descompromissada, o que coincidentemente também é uma grande característica dos jogos de videogame (os bons, pelo menos). Havia bastante espaço na Grade para elucubrações filosóficas e reflexões, embora isso inevitavelmente fosse levar a livros como Entendendo Tron, A Psicologia das Luzinhas que Riscam a Tela e por aí vai. De qualquer jeito, Tron – O Legado funciona dentro de sua proposta BLOCKBUSTERIANA, oferecendo ao espectador uma película fácil, envolvente e de visual bonito. E vou dizer, eu não me importaria de visitar o mundo de Tron novamente – principalmente se a Olivia Wilde estiver de anfitriã por lá.