Os argentinos

Li A Invenção de Morel em uma sentada. Debrucei-me sobre o livro como um gordo em um buffet livre, devorando o mais rápido possível a trama, os acontecimentos, os mistérios, as respostas e a bela narrativa de Adolfo Bioy Casares. Assim, entendi perfeitamente a admiração de Borges pela obra, exposta na contracapa com elogios significativos que talvez só encontrem paralelos na improvável hipótese da Scarlett Johansson vir a público e declarar que alguém é o melhor amante do universo: é o equivalete a uma bomba nuclear de ego.
Entretanto, é inevitável que uma obra classificada por Borges como “perfeita” fique um pouco abaixo da expectativa gerada, ainda que seja espetacular. Afinal, se o sujeito que provaelmente fez até Deus chorar com um texto sobre um BRIOCHE garante a perfeição da trama, o leitor imagina nada menos que um pequeno Big Bang surgindo do livro. A Invenção de Morel com frequência é arrebatadora e proporciona reflexões interessantes, mas está a poucos centímetros desse nível de causar curtos-circuitos na cabeça dos leitores.
Só que isso implica em um porém devastador: dizer que os elogios da contracapa são hiperbólicos. Que são exagerados. E, partindo do princípio de que Borges está totalmente certo em tudo pra sempre, tal atitude nos atira em um paradoxo dos mais complexos e poderosos já vistos. E, levando em conta a verdadeira paixão de torcedor que eu tenho por paradoxos, muitas vezes já exposta de forma empolgada aqui neste blog, acredito que isso seja mais do que o suficiente para que todos vocês tomem a leitura de A Invenção de Morel como uma prioridade imediata em suas vidas.

Jornalismo Imagemnário

Khadafi bateu as botas. Dê uma volta pela internet e veja se consegue fugir dos vídeos que mostram o ex-ditador sendo castigado de quase todas as formas possíveis. Linchamentos, espancamentos, todo tipo e qualquer tipo de “mentos” foi devidamente captado e atirado nessa grande curiosidade mórbida que é a rede mundial de computadores. O mais incrível, entretanto, é que não é necessário chafurdar por páginas mais alternativas para encontrar tais obras: elas estão bem chamativas nas capas dos grandes portais brasileiros.

Já faz um tempo que a pauta da mídia online não é ditada pela notícia em si, mas sim pelos vídeos/imagens que estão ao alcance para serem divulgados – não importa se o acontecimento só é relevante para uma pessoa no mundo todo, desde que ele tenha uma imagem sangrenta para ser divulgada. Assim, as capas de globo.com e Terra da vida são tomadas de assalto por uma blietzkrieg de assuntos que não significa nada para ninguém, mas ei, geralmente tem alguém morrendo/sendo ferido em um vídeo, então as pessoas vão querer ver. Sabem aquelas mulheres que só conseguem ficar excitadas inventando draminhas e historinhas sofridas? Pois é, o jornalismo online é uma delas.

Fico imaginando no dia que o mundo acabar. Esses jornais terão a manchete que sempre sonharam, um monte de fotos destrutivas com a legenda “Mundo acaba e todos morrem! Veja!”. Nem os mendigos com aquelas placas de “amanhã será o fim de tudo” ficarão tão felizes.

Onde discuto a questão do chuveiro

A globalização padronizou muitas coisas planeta afora, criando uma unidade entre praticamente toda a rotina do dia-a-dia – prova disso é que, se o cara estiver perdido em alguma Turquia da vida, onde sabe-se lá de que parte genital dos animais eles conseguem suas iguarias alimentíceas, pode fugir do perigo e ir almoçar no McDonalds como se estivesse na sua própria cidade. Assim, a globalização é basicamente uma forma de sair correndo pra casa mesmo estando longe de casa. Entretanto, existe um elemento que continua desafiando essa força e se mantém um mistério quando fora do nosso lar: o chuveiro.
Não sei se vocês já repararam, mas o único chuveiro que as pessoas conseguem manejar com eficácia são os de suas próprias residências. Nesse caso, o cálculo do quanto é preciso botar de água quente e fria – dividindo tudo pela temperatura externa, claro – é basicamente instintivo, pois já sabemos como aquela configuraçao funciona, não precisamos pensar a respeito do quanto devemos girar a torneira. Mas, fora das nossas casas, nosso conhecimento vale tanto quanto um ingresso para um jogo do Avaí: quando em hotéis, albergues, casas de amigos e etc, precisamos ficar experimentando aos poucos a relação quente/frio para tentar chegar a um resultado aceitável. E isso não acontece só da primeira vez, acontece da segunda e até da décima se houver uma décima. É como se o nosso córtex orbitofrontal soubesse que não moramos ali e se recusasse a assimilar aquele novo padrão, nos obrigando a raciocinar e experimentar hipóteses cada vez que vamos tomar um banho. Fora de nossas casas, estamos completamente à mercê desses cuspidores de água, e acredite, por mais que você se esforce, se esmere, se informe, em algum momento você acabará queimado graças a um pequeno mas significativo erro de cálculo.
Frente a tal raciocínio – que, acredito que todos irão concordar, parece desprovido de falhas ou falácias -, esqueçam todas as filosofias e ideologias e conceitos de auto-ajuda já criados sobre o que realmente constitui um lar. Lar não é onde está o nosso coração, não é onde nos sentimos bem ou seguros: lar é simplesmente o lugar onde sabemos exatamente o quanto girar da torneira para conseguir a quantidade certa de água quente.