Breves comentários sobre os últimos livros que li.

As Entrevistas da Paris Review – Vários
Como toda boa coletânea, As Entrevistas da Paris Review tem altos e baixos. É extremamente divertido ver Hemingway admitindo que dera uma resposta estúpida mas apenas porque a pergunta também era estúpida, ou Faulkner descartando os escritores e dizendo que só a obra é importante, mas a entrevista com W. G. Auden passa batida e a verborragia de Ian McEwan fica entediante às vezes. No fim das contas, a melhor é a de Amón Oz, de quem curiosamente nunca li nada – tirando do páreo a entrevista com Borges, claro, que não posso avaliar porque ainda não descobri o que veio antes: Borges ou a escrita.

Vida Querida – Alice Munro
Esse é um dos poucos vencedores do Nobel de Literatura que li, o que indica como sou desqualificado para falar qualquer coisa sobre o assunto. É um livro que sempre mantém um nível alto, não tem nenhum conto ali que faça o leitor lamentar não ter investido o dinheiro em cerveja, e sempre com uma sensibilidade tocante – que atinge níveis lacrimejantes em Amundsen e O Olho, entre outros. Ainda assim, confesso que no panorama geral não tive uma sensação NOBELÍSTICA, o que me faz pensar que talvez tenha levado o prêmio pela regularidade de qualidade nos contos,  o que me faz pensar que o Nobel é um grande torneio de pontos corridos.
Agora Deus Vai te Pegar Lá Fora – Carlos Morais
Esse na real eu já tinha lido, mas ficou ainda melhor na releitura. É uma daquelas obras carismáticas ao extremo, que certamente seriam extremamente populares em um eventual colégio de livros. Engraçada sem apelar, envolvente sem apelar, com uma galeria de personagens incrivelmente criativa e uma melancolia doce que despeja sentimentos no coração do leitor, Agora Deus Vai Te Pegar Lá Fora é uma daquelas surpresas literárias às quais a gente se apega e quer levar junto para sempre.
Condenada – Chuck Palahniuk
Sou um grande fã do Chuck Palahniuk (embora sempre tenha que conferir o nome dele no Google antes de escrever), tenho Clube da Luta tatuado no meu CÉREBRO, admiro muito a subversão e a forma com que ele jamais julga as personagens, mas Condenada parece um esforço menor. É extremamente eficiente e uma plataforma perfeita para a imaginação cruel do CHUCKÃO, que consegue ser criativo mesmo em momentos mais óbvios (como o do telemarketing), mas ainda assim soa um pouco contido demais, derrapando no tradicional em alguns pontos (estamos falando do cara que escreveu o conto Guts, afinal). Além disso, a personagem parece espertinha demais e fala de forma espertinha demais para alguém com 13 anos. Vale a leitura, entretanto, especialmente se você quiser conhecer o maligno sistema de telemarketing.

A Ilusão da Alma: Biografia de uma Ideia Fixa – Eduardo Giannetti

Esse é um daqueles “livros que fazem pensar”. A batalha de um sujeito tentando se desvencilhar da ideia de que seus pensamentos não são realmente seus, mas sim fruto de reações químicas, é envolvente e vai dar um nó no cérebro do leitor (mas um nó bom, não um nó no sentido “não tou entendendo nada aqui é melhor deixar o livro de lado e entupir o cérebro com álcool”). Uma jornada extremamente interessante e que vai te deixar pensando se o que você está pensando é realmente o que você está pensando.
Os Quatro Grandes – Agatha Christie
Mais uma daquelas grandes tramas de assassinato e mistério da tia Agatha, dessa vez envolvendo também uma grande conspiração. Sei que vou SECAR NA TOALHA, mas a capacidade da escritora de manipular as circunstâncias e levar a história até situações imprevisíveis é brilhante. Além disso, tem Hercule Poirot e o capitão Hastings, o que já é 90% da qualidade necessária para um livro.
Batman – O Que Aconteceu Ao Cavaleiro Das Trevas? – Neil Gaiman
Essa é uma daquelas histórias surpreendentes, com rompantes de criatividade e genialidade surgindo a todo momento. Mostra com dramaticidade e intensidade a relação das personagens de Gotham City com o homem-morcego, construindo, ao longo do caminho, revelações importantes sobre a personalidade do próprio Batman e a forma com que as pessoas o veem. E aquela sensibilidade no final da história é de sentar no cantinho e chorar.
A Dama do Cachorrinho – Tchekov
Tive uma experiência muito, digamos, de entender que nunca soube escrever após ler a coletânea de contos O Beijo, do Tchekov, esse russo cujo superpoder é visão de raio-x das almas das pessoas. Entretanto, esse A Dama do Cachorrinho não me deixou muito impressionado: alguns contos (como o que dá nome ao livro) realmente se destacam, mas outros, como A Morte do Funcionário e O Enxoval, me deixaram com uma expressão meio “é, tudo bem” no rosto. Queremos mais Enfermaria Nº6, galera. Mais Enfermaria Nº 6.
Um Estudo em Vermelho – Sir Arthur Conan Doyle
Após ficar completamente em chamas com a série Sherlock, decidi revisitar o mundo literário de Sir Arthur Conan Doyle. E Um Estudo em Vermelho funciona muito bem como apresentação de personagens e trama de mistério, tornando o processo investigativo sempre interessante por causa daquele lance onde o Sherlock pega umas coisas totalmente nada a ver e desenterra alguma conexão brilhante com o crime. O revés fica por conta dos cinco primeiros capítulos da parte 2: ainda que bem escritos pacas, sua importância para a história é questionável e o único sentido de sua existência parece a encheção de linguiça. Não chega a atrapalhar, apesar de ser um “mas o que diabos…?” de Wikipédia.
O Lobo do Mar – Jack London
Uma poderosa narrativa envolvendo náufragos, navios, pancadaria e palavras legais como “estibordo”. A atmosfera tensa da escuna Ghost, tomada de personagens peculiares e de um comportamento quase primitivo, atinge seu ápice no capitão Wolf Larsen: extremamente violento, impiedoso e materialista, ele é também um filósofo da condição humana, refletindo a respeito das escolhas possíveis e optando pelo caminho do tocar o terror em todo mundo alucinadamente porque é o que mais se assemelha à nossa existência animal. Os diálogos entre ele e van Weyden são sempre interessantes, e acabam elevando  O Lobo do Mar para outro nível.

De piratas e dromedários

Pirate Latitudes – Michael Crichton
Além de grande contador de histórias, Michael Crichton pesquisava alucinadamente antes de iniciar um livro – e, graças à essa metodologia, o autor nos faz acreditar fielmente em tramas que de outra forma soariam absurdas, como os excelentes Parque dos Dinossauros e Esfera. Pois ele faz o mesmo nesse Pirate Lattitudes, utilizando termos náuticos e expressões da época para MERGULHAR o leitor na tramóia. Além disso, conta com uma galeria de personagens sensacionais e ação desenfreada, que coloca o livro naquele famoso ritmo “trem desgovernado, sem freio e empurrado por uma turbina nuclear”. Infelizmente Crichton não consegue parar a tempo, estendendo a ação desnecessariamente no último capítulo e dando com os burros na água. Nada que atrapalhe a ótima diversão do livro, mas ainda assim fica aquele gostinho de que Pirate Latitudes poderia ter tomado uma chuveirada depois de sair do mar pra tirar os excessos.
Bosquet’s intent was clear enough. He had anchored in the mouth of the bay, just beyond the reef, but within range of his broadside cannon. He intented do stay there and pound the galleon through the night. Unless Hunter moved out of range, risking the shallow water, his ships would be demolished by morning.
Paisagem Com Dromedário – Carola Saavedra
Paisagem Com Dromedário possui uma forma de narrativa assas interessante, com cada capítulo funcionando como uma transcrição de um vídeo que a narradora gravou para um ex-amante. Mas não é só isso: girando em torno de um triângulo amoroso, o livro é quase uma auto-análise de Érika (a narradora), que tenta entender as escolhas e as decisões que tomou. O que resulta em uma obra cativante, ainda que bastante triste. Suas passagens reflexivas completam de forma natural as descrições dos acontecimentos, e o leitor acaba envolvido de forma impiedosa pela doce melancolia que permeia o livro, sendo levado a fechar seu coração em uma caixa e jogar fora após finalizada a leitura.
A morte talvez seja apenas isso, algo que espera pacientemente, dentro de um bloco de barro, de mármore, de pedra, que no decorrer da vida, com nossos instrumentos e nossas armas, nos aproximemos.

Barulho de chaves, uma porta se abrindo, vozes. Não é possível entender o que dizem.

Está ouvindo? Devem ser Vanessa e Bruno que acabam de chegar. Provavelmente vão bater na porta do quarto para saber como estou. Eles acham que eu não estou bem, ou ao menos esperam que eu não esteja bem. Na realidade estou ótima. Acho que isso os incomoda.

A arte de escrever sobre viagens

Atlas – Jorge Luís Borges
Cada um dos textos que compõe este Atlas é uma parte do corpo de Afrodite impressa. Porque somente isso explica o verdadeiro BIG BANG de beleza contido em cada frase, cada palavra, cada ideia. Borges viajou pelo mundo quando já estava cego e, ainda assim, traz uma visão única e cativante dos lugares pelos quais passou. Associa as cidades com autores, obras, utiliza sua cultura desumana para construir retratos lacrimejantes de suas andanças pelo mundo ao lado de sua companheira, Maria Kodama. Caminhar por entre as páginas do livro é uma experiência única, que contempla todos os sentidos do leitor e faz com que, ao final da leitura, ele fique com a sensação de que realmente esteve ao lado de Borges em alguns daqueles passos. Genialidade no seu nível mais arrebatador.
Uma vez escrevi num prólogo Veneza de cristal e de crepúsculo. Para mim, Crepúsculo e Veneza são duas palavras quase sinônimas, mas nosso crepúsculo perdeu a luz e teme a noite e o de Veneza é um crepúsculo delicado e eterno, sem antes nem depois.

A Arte de Escrever – Schopenhauer
Apesar de parecer motivado por esse grande motor 2.0 que é o RECALQUE, A Arte de Escrever consegue ser dinâmico, engraçado e pertinente. Schopenhauer não apenas solta o verbo, mas também o instiga a atacar um pouco de tudo, desde os escritores alemães da época até a língua francesa. E se por um lado o filósofo uma ou outra vez se contradiz ou faz o que condena nessa coletânea de ensaios, por outro as ideias expostas continuam válidas até hoje, e muitas das suas reflexões a respeito de escritores, línguas, literatura, indústria, crítica, imprensa e etc deixam o leitor matutando a coisa toda na sua cabeça.
Uma impertinência especialmente ridícula da parte de tais críticos anônimos é o fato de eles, como os reis, falarem usando o “nós”, quando deveriam usar não só o singular, mas até o diminutivo, ou mesmo o humilhativo, por exemplo: “Minha lamentável pequenez, minha covarde embustice, minha incompetência disfarçada, minha limitada velhacaria” etc.

House Smells Like Teen Spirit

O Vendedor de Armas – Hugh Laurie
Difícil dissociar Hugh Laurie de House, certo? Pois o ator e escritor também não se esforça muito: apesar de participar de uma TRAMÓIA batida, o narrador deste O Vendedor de Armas possui o mesmo humor irônico e sagaz do médico favorito da vizinhança. Com um texto irreverente e frases tão afiadas que o leitor precisa tomar cuidado pra não cortar os dedos, Hugh Laurie cria uma obra dinâmica, que preza pela diversão total e conquista tal objetivo com 30 rodadas de antecedência. Já até consigo ver o livro sendo adaptado pelas telonas, estrelando, claro, o seu próprio autor em um papel que ele conseguiria fazer de mãos atadas. Talvez sem uma bengala, entretanto.
(agradecimentos à Dra. Bridget, uma das donas do excelente Sou Para-Raio de Doido, pela indicação)
O táxi de McCluskey parou na Cork Street. Vi que ele estava pagando e pedi ao meu motorista que passasse por ele e me deixasse a uns 200 metros.
O taxímetro marcava 6 libras, por isso dei uma nota de 10 e assisti ao curta de 15 segundos chamado “Não Sei se Tenho Troco Para Isso”, estrelado pelo motorista de táxi com a licença de número 99102, antes de sair e descer a rua.
Nirvana Nunca Mais – Mark Lindquist
Ao contrário do que sugere o título, não é um livro que se passa no início dos anos 90, e sim no final da década que ficou famosa pelo Romário e pelo grunge, nessa ordem de importância. O protagonista, Pete, fez parte de uma das milhares de bandas de Seattle que tentaram pegar o vácuo do Nirvana, mas agora é um advogado formado e se encontra questionando suas escolhas. 
A divisão em vários capítulos, alguns com títulos de músicas e outros tão curtos quanto as participações do Corinthians em Libertadores, dá uma agilidade bacana ao livro. O texto é bastante direto e recheado, embebido em e servido ao molho de referências pop. Apesar de apenas arranhar os temas propostos (solidão, escolhas, futuro, relacionamentos), Nirvana Nunca Mais tem seu charme – soa como uma balada de rock, uma leve distorção, um vocal amargurado, uma melancolia em geral e um certo exagero que leva à superficilidade. Tipo de livro pra ler enquanto se caminha na chuva usando uma camisa de flanela.
Ele se dirige diretamente para o armário do som, que guarda discos em vinil, CDs e livros. Em geral, Pete gosta de procurar pistas sobre aquela com quem irá dormir a partir desse tipo de evidência.
Os CDs tendem a ser brindes promocionais da Sub Pop, mas também incluem alguns da PopLlama, entre os quais os primeiros dois LPs do Young Fresh Fellows em apenas um disco, os favoritos de Pete, e The Hot Rock, do Sleater-Kinney, um daqueles álbums que Pete acha que deveria ouvir mas nunca o faz.

De Tarantino, peixes e temas profundos

Bastardos Inglórios: O Roteiro Original do Filme – Quentin Tarantino
Apesar de uma introdução que, de tão SEM VERGONHA, quase fez minha alma sair correndo, o livro é assaz divertido: além de oferecer algumas diferenças com relação ao roteiro final do filme, a PAPELADA mostra como Tarantino se empolga com as coisas (ele provavelmente escreve com uma mão enquanto corre pela rua com o outro braço erguido em comemoração), jogando adjetivos e referências pouco pertinentes apenas pelo festerê. Uma boa opção pros fãs do diretor confirmarem que ele é o nerd mais descolado do mundo e pros outros continuarem achando ele estranho às ganha.

Shosanna volta ao espelho, coloca um elegante chapéu na cabeça e abaixa o fino véu negro para cobrir seu rosto. Ela pega uma pequena ARMA e a coloca no bolso de seu vestido, e está pronta. Ela sai do apartamento para participar da estréia. De agora em diante, não há mais volta. É até o fim, baby, até a porra do fim!

O Velho e o Mar – Ernest Hemingway
Impressionante como Hemingway consegue, através de uma linguagem simples e direta, abrir uma portinha no coração do leitor e colocar a história lá dentro. É quase impossível segurar o livro com o tanto de carisma e ternura que transbordam do velho Santiago e do menino. E ainda sobra espaço pra narrar uma batalha épica entre homem x natureza, traçando as semelhanças e diferenças entre Santiago e o peixe, envolvendo até a última gota de emoção do leitor até o melancólico desfecho. Juro que, após a leitura, tive vontade de DORMIR ABRAÇADO com o livro.

Falam do mar como de um adversário, de um lugar ou mesmo de um inimigo. Entretanto, o velho pescador pensava sempre no mar no feminino e como se fosse uma coisa que concedesse ou negasse grandes favores; mas se o mar praticasse selvagerias ou crueldades era só porque não podia evitá-lo. “A lua afeta o mar tal como afeta as mulheres”, refletiu o velho.

Os Adeuses – Juan Carlos Onetti
Os Adeuses é um livro difícil. Apesar de curto, tem uma linguagem rebuscada e trata de temas complexos, obrigando o leitor a se confrontar com suas próprias perspectivas sobre tais temas. Basicamente, é como o futebol do clássico camisa 10: lento, cadenciado, pensativo, sempre buscando o que há de mais importante à sua volta e abordando a situação nem sempre pelo ângulo mais óbvio, mas sim pelo mais pertinente. E que, ao final, deixa pra trás aquele rastro de melancolia que todo livro reflexivo consegue provocar.

O homem conversava com vertiginosa constância, acariciando nas curtas pausas o antebraço da mulher, erguendo parágrafos entre eles, acreditando que os montões de palavras modificavam o aspecto da sua cara enfraquecida, que algo de importante podia ser salvo enquanto ela não fizesse as perguntas previsíveis.

De velhas mansões inglesas e terras-médias

Cai o Pano – Agatha Christie

A trama de mistério definitiva. Agatha Christie tem um conhecimento brutal sobre a natureza humana mas, ao invés de utilizá-lo para criar verdadeiras monografias sobre o assunto, como fazem alguns COSSACOS, prefere montar intrigas épicas envolvendo assassinatos e segredos. Daí em Cai o Pano ela entrega uma história pensada e repensada até os ÁTOMOS, revelando seu assassino mais cruel, impiedoso e inteligente, tão sutil que torna-se impossível encontrá-lo – a menos, claro, que um certo Monsieur Poirto apareça em alisando seus bigodes e vestindo uma camiseta com os dizeres “Sherlock Holmes who?“.
Fiz uma pausa ligeira porque de repente vi as dificuldades.
Poirot disse:
– Está vendo? Não é tão simples assim. Só existem na realidade três métodos. O primeiro é avisar a vítima. Pôr a vítima de sobreaviso. Isso nem sempre dá certo (…). O segundo caminho é avisar o assassino. Dizer numa linguagem levemente velada: “Conheço suas intenções; se fulano morrer, meu amigo, você fatalmente morrerá na forca”. Esse dá mais certo que o primeiro, mas mesmo assim é comum falhar (…).
– Você disse que há um terceiro método – lembrei a Poirot.
– Ah, é verdade. Para esse é preciso muita sagacidade. Você tem de adivinhar exatamente onde e como o golpe fatal vai ser dado, e tem de estar pronto para aparecer no momento psicológico exato. Você tem de pegar o assassino, se não em flagrante, pelo menos com intenção culposa sem sombra de dúvida. E isto, meu amigo – continuou Poirot -, posso lhe assegurar, é dificílimo.
O Silmarillion – J.R.R. Tolkien
Tolkien era um sujeito de imaginação sagaz, e O Silmarillion prova isso: o autor de O Senhor dos Anéis (e responsável pela existência dos nerds) desdobra a sua Terra-Média e narra a história de como foi criado o seu mundo. Entretanto, são tantos nomes de pessoas e lugares que é impossível qualquer pessoa com menos de TRÊS cérebros se localizar. Além do mais, como é uma reunião de textos que foi publicada após a morte de Tolkien, a obra acaba se tornando irregular. Entretanto, quando não resolve encher meia página de nomes élficos e da expressão “ora,”, o cara consegue fazer coisas extremamente cativantes e interessantes (o conto de Beren e Luthien e as partes onde Melkor e Sauron são protagonistas, principalmente). Pode não ser algo que vai fazer mais pessoas saírem por aí fantasiadas de seres que não existem, mas na soma final O Silmarillion faz jus à mitologia dos nerds RPGistas.
Sauron descobriu que os homens eram os mais fáceis de influenciar dentre todos os povos da Terra; mas por muito tempo procurou convencer os elfos a lhe prestarem serviço, pois sabia que os Primogênitos tinham maior poder. E andava livremente entre eles, e sua aparência ainda era de alguém belo e sábio. Somente a Lindon não ia, pois Gil-Galad e Elrond duvidavam dele e de sua bela aparência; e, embora não soubessem quem ele era na realidade, não admitiam sua entrada naquele território.

The women are on the table

Ana Karênina – Liev (Léon / Leão / Leo) Tolstói
Setecentas páginas de pura CIRURGIA na alma humana. Impressionante como o russo se apega a detalhes e descrições tal qual um torcedor se apega ao seu lugar da sorte no sofá – entretanto, isso só beneficia a história, pois passamos a viver as situações junto com as personagens, ao invés de simplesmente sermos informados sobre seu estado. E assim passamos a gostar deles, e a receber com mais intensidade as pauladas que eles recebem (e o TOLSTA não tem pudores de dissecar as intenções de cada um. Ninguém é totalmente bom). Tudo isso em uma prosa que é uma elegância só – me senti compelido a vestir terno e gravata cada vez que pegava o livro.

Desceu até a pista, evitando olhá-la de frente, como se ela fosse o sol, mas, sol que era, também não precisava de a olhar para vê-la.

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres – Stieg Larsson
A trama é uma daquelas histórias de mistérios instigantes, pela situação meio absurda na qual ocorreu o crime. E o sueco até consegue levar ela numa boa, tipo churrasco de domingo de tarde com a família, assim. Mas é aquele negócio, as personagens estão sempre a favor da história e o leitor realmente não se importa com elas, quer é saber a resposta pro mistério – e se todo mundo na trama tiver que morrer pra isso, que morram logo e na pobreza. Achei o texto do Stieg Larsson bastante superficial, um negócio meio Dan Brown STÁILE, expondo de forma bem direta as intenções da galera e se preocupando pouco em desenvolver as situações. Mas sem ofender a igreja.

Do outro lado da estrada, se elevava o monte Sul. Mikael escalou uma encosta íngreme e precisou do apoio das mãos nos últimos metros. O monte Sul terminava numa falésia quase vertical sobre o mar. Mikael retornou a Hedeby seguindo pela crista, de onde avistou as cabanas, o velho porto dos pescadores, a igreja e a pequena casa em que estava hospedado. Sentou-se numa pedra e serviu-se de um último resto de café morno.
Não tinha a menor ideia do que fazia em Hedeby, mas a vista lhe agradava.

A crueza a ver navios

Juliet, Nua e Crua – Nick Hornby
Nick Hornby surge aqui um pouco mais melancólico, arrisco até dizer mais maduro, e não tem pudor nenhum de fazer suas personagens comerem o pão que o Robinho amassou – e, uma vez que Hornby sabe como poucos fazer a gente cair de joelhos pelas pessoas que habitam a história, por vezes é cruel acompanhar o DESCENSO delas. Seu texto continua impecável, fluido feito o meio de campo da Argentina e recheado de insights inspirados, que ora levam o leitor a rir, ora deixam o leitor triste, de beicinho e pensando na vida. Ainda que não trabalhe certos temas tanto quando poderia, Juliet, Nua e Crua é uma das melhores e certamente a mais profunda do autor inglês.
De repente Annie se sentiu esmagada pela total inutilidade de seu relacionamento com Duncan. O relacionamento não era apenas irremediável na forma em que se encontra; sempre havia sido irremediável. Fora um desajeitado encontro nascido na internet, com um homem inadequado e entediante, mas que tinha durado anos, anos e anos.
Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo – Patrick O’ Brian
Embora a história se passe durante as guerras napolêonicas, aqui a ação, tal qual um lateral esquerdo, fica em segundo plano. Porque Patrick O’Brian destrincha devastadoramente a vida em um navio de guerra, dando atenção a detalhes mínimos da embarcação e usando um vocabulário que deixará o leitor sem norte (desculpem, piada obrigatória). É joanetes pra cá, barlavento pra lá, todos atirados no texto sem a menor cerimônia – mas, longe de afastar o leitor, essa estranheza faz com que ele sinta que realmente está observando o cotidiano daqueles homens (e uma detalhada ilustração do navio, com suas partes devidamente nomeadas, diminui em uns 80% a ignorância náutica de qualquer um). O texto, bastante rebuscado e detalhado, insere facilmente o leitor na trama e puxa o gatilho da imaginação dele. Mas é o carinho e respeito com que O’Brian trata suas personagens, especialmente o capitão Aubrey e o Dr. Maturin, investindo na relação entre elas como se não houvesse amanhã, que torna Mestre dos Mares tanto um registro de uma época como uma cativante história de aventura marítima.
De sua parte, Jack sentia-se em perfeito contato com o seu navio: navegar à bolina cochada era algo que tanto ele quanto a fragata conseguiam fazer admiravelmente bem, e enquanto ele permanecia ali, oscilando com o balançar do convés, tinha a percepção das leves guinadas ou quebras no seguimento que esta realizava. Vestia um velho casaco azul, pois fazia uma fresca manhã, embora estivessem tão próximo da linha dos trópicos, e o borrifo e até mesmo a água compacta que varria a popa, cada vez que o Surprise ombreava um dos mares mais íngremes, eram ainda mais frescos, deixando com um brilhante rosado seu rosto recém-barbeado.

Futuro, brutalidade e a morte dos pontos finais

1984 – George Orwell

Orwell fatal demais. Cria um mundo aparentemente absurdo e, ainda assim, parece que estamos seguindo diretamente pra ele feito uma caixa de cerveja em um churrasco. A preocupação com os detalhes é tanta que até mesmo a linguagem utilizada pelas personagens torna-se alvo do totalitarismo do Big Brother, e vai sendo modificada para se tornar mais eficiente. A leitura é alucinante, fluída, cada capítulo deixa o leitor pensando “oh, céus, o que acontecerá a seguir?”, e faz o cérebro dele explodir algumas vezes com tantas ideias sendo bombardeadas pra dentro.
Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota pisando num rosto humano – para sempre.
Meridiano de Sangue – Cormac McCarthy
Cada palavra do livro é um carvão cuidado, tratado e lapidado por Cormac McCarthy até se tornar um diamante com o formato da Scarlett Johansson. Simplesmente absurda a capacidade do autor em construir cada pedaço da história – juro que quase senti a poeira do deserto do Texas escorrendo pelos meus dedos enquanto lia. O cara colocava, sei eu, dez páginas apenas de SUJEITOS CAVALGANDO, sem diálogos, sem ação, sem nada, e eu não conseguia controlar o choro compulsivo frente à tamanha beleza. Paralelo à isso, jamais havia testemunhado tanta violência e brutalidade em uma obra, e a simples junção de tudo isso em 350 páginas, de forma coesa, já seria algo hercúleo. Mas aí aparece o juiz Holden, uma das personagens mais sensacionais de todos os tempos, e eleva o livro a um nível DESINTEGRADOR.
Mas vou dizer uma coisa. Somente aquele homem que se consagrou inteiramente ao sangue da guerra, que conheceu o fundo do poço e viu o horror de todos os ângulos e aprendeu enfim o apelo que ele exerce no mais fundo de seu íntimo, só esse homem sabe dançar.
O Que Diz Molero – Dinis Machado
Um furioso ENTRONCAMENTO de ideias, uma sucessão de acontecimentos bizarros e interessantes, uma galeria sensacional de personagens cativantes. Descartando os pontos finais como se eles fossem o Robinho, Dinis Machado constrói uma narrativa que tira o fôlego do leitor, que ora é real ora é surreal, e se mantém sempre no limite da imaginação sem perder sua força.
“A vida dá-nos pouco, bem sei”, disse, “e por isso a verdadeira técnica consiste, na minha opinião, em saber procurar o sítio onde as bolas amarelas das crianças vêm tocar os nossos pés, como você diz que disse Molero a propósito já não sei de quê”.

O Phillip e o cérebro

Indignação – Phillip Roth


Indignação se passa nos EUA, década de 50, Guerra da Coréia QUEIMANDO TUDO ATÉ A ÚLTIMA PONTA, é estrelado por um universitário que foi UNIVERSITAR apenas para ficar longe dos pais, e ainda assim, a cada página, parecia que eu estava me olhando em um espelho. Culpa do Phillip Roth, que cria uma história envolvente e torna seu protagonista, Marcus Messner, alguém palpável, cheio de medos e inseguranças característicos da juventude. O texto é bastante elegante, mas mantém-se conciso e evita fugir às TRAMÓIAS principais, ilustrando uma narrativa pontuada por situações que em nada lembram os clichês do gênero (“fulano vai pra universidade e aprende a viver, e faremos uma adaptação usando Morgan Freeman em algum lugar”) e que mesmo assim consegue surpreender (de forma não-DANBROWNIANA) no final. Um grande livro. Daqueles que fatalmente atrapalham a vida social do cara.
Saí e me vi no belo campus de uma universidade do Meio-Oeste num dia esplêndido de sol, outro magnífico dia de outono, tudo a meu redor proclamando euforicamente: “Deleitem-se com o gêiser da vida! Vocês são jovens e exuberantes, entreguem-se ao arrebatamento!”. Olhei com inveja os outros estudantes circulando pelos caminhos pavimentados com tijolos que entrecruzavam o gramado quadrangular. Por que eu não podia compartilhar do prazer que eles derivavam dos esplendores de uma pequena universidade capaz de preencher todas as suas necessidades?
Proust was a Neuroscientist – Jonah Lehrer
Jonah Lehrer graduou-se na universidade de Columbia e ESTAGIOU no laboratório de um neurocientista vencedor do Nobel aí. Ou seja, ele tem as bases do NEUROCIENTISMO. E nesse livro, seu primeiro, o que o sujeito faz é o seguinte: pega alguns gênios das artes como Marcel Proust, Walt Whitman, Virginia Woolf, Paul Cézanne, e outros de diferentes áreas (senti falta do ROMÁRIO, mas tudo bem), contextualiza o trabalho visionário deles dentro do funcionamento do cérebro, e explica cientificamente como e porque eles estavam certos. Assim, quando Proust come seu famoso biscoitinho lá e volta à infância, Lehrer explica como funciona a memória; quando o músico Stravinsky faz a BARULHEIRA DOS INFERNOS em The Rite, Lehrer explica como o cérebro compreende a música; quando o pintor Cézanne exibe seus BORRÕES dizendo que são AFU, Lehrer explica como a nossa CUCA capta e interpreta as imagens; e assim por diante, abrangendo um universo impressionante de conhecimento. E, melhor, com uma linguagem acessível pacas, em um texto que se utiliza bastante de analogias pertinentes para que o leitor compreenda toda a ópera. Com isso, ele lança no ar a (velha, eu sei) questão de que a realidade não existe e tudo é interpretado por nós. Mas, mais do que isso, Lehrer nos faz entender um pouco melhor como a nossa mente funciona, levando o cara a refletir sobre o tema e, dentro disso, construir suas próprias ideias. E não há muito mais que um livro possa fazer.
Instead, the head holds a raucous parliament of cells that endlessly debate what sensations and feelings should become consious. These neurons are distributed all across the brain, and their firing unfolds over time. This means that the mind is nota a place: it is a process.