O Diretor das Vitórias Ressurge

Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Rises)
5/5

Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan e Jonathan Nolan, baseados em história de Christopher Nolan e David S. Goyer e na personagem criada por Bob Kane

Elenco
Christian Bale (Batman / Bruce Wayne)
Tom Hardy (Bane)
Michael Caine (Alfred)
Anne Hathaway (Selina Kyle)
Morgan Freeman (Lucius Fox)
Gary Oldman (Jim Gordon)

Oito anos após seu devastador confronto com o Coringa, Batman é agora um aposentado recluso em sua mansão e com fama de excêntrico (porque antes, quando vestia uma roupa de morcego e saía pela rua tocando o terror nas pessoas, ele era normal) – e Gotham, graças à mentira perpetrada por Batman e Gordon, tornou-se uma cidade muito mais pacífica e honesta. Mas eis que do nada chega um sujeito chamado Bane, que, com um intrincado plano e seu COSPLAY DE SUB-ZERO no rosto, comete o bullying total na cidade. Daí é claro que Bruce Wayne precisa ser homem, vestir sua roupa de látex e sair para ver a Anne Hathaway de roupa justinha e salvar o dia (nessa ordem de importância).
Acabou. Em Batman Begins, de 2005, fomos apresentados a um justiceiro traumatizado, alguém tão heróico quanto complexo que perpetua eternamente sua tragédia para evitar que ela se repita com outros. Em Batman – O Cavaleiro das Trevas, de 2008, a história ganhou contornos ainda maiores: descobrirmos não só as limitações dessa figura ao encarar seu nêmesis, mas o sacrifício de ignorar essas limitações em prol da GURIZADA. E agora Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge fecha a trilogia com vitória – ainda que o filme possua certos problemas inexistentes nos dois primeiros, o resultado final é tão acachapante que não há como negar que Christopher Nolan vendeu a alma ao TINHOSO.
Contemplem o futuro das bombinhas para asmáticos.

Já na largada a produção liga o modo adrenalina e nos apresenta a Bane, construindo, nos poucos minutos de uma sequência sensacional, um vilão racional, poderoso, que encara sua missão como algo sagrado – uma apresentação que deixa um voz dizendo na cabeça do espectador “é, a cobra vai fumar”. Aliás, Bane ganha ainda mais força ao Bruce Wayne vir à tona pela primeira vez: provando que Rachel Dawes estava certa no segundo filme, Bruce não vive sem o Batman. Forçado à aposentadoria graças à mentira para inocentar Harvey Dent, o bilionário torna-se um fantasma de pessoa, abdica de viver, algo que o filme ilustra vitoriosamente através dos lençóis nos móveis da mansão (mesmo ela estando ocupada) e na bengala que suporta o protagonista (sem Batman, Bruce está incompleto; virou um aleijado, perdeu uma parte importante de si. Seu joelho só melhora quando, finalmente, retoma o manto do morcego – quando está completo).
Assim, Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge começa na complexidade total, tornando o herói do filme eternamente destinado a ficar preso em sua tragédia. E, para atravessar o coração do espectador com ainda mais arpões, faz o mesmo com duas das principais figuras da trama, Gordon e Alfred – o primeiro chega a viver quase uma vida dupla, de tão assombrado que é pelas decisões tomadas ao final do segundo filme (e é cativante perceber, em determinada cena, Gordon trabalhando ao lado do bat-sinal quebrado, como que tentando não abandonar o herói); o segundo, percebendo a força da ameaça e que Bruce não está mais na idade de sair fazendo farra à noite, tenta a todo custo fazer com que o bilionário siga em frente e passe a ter uma vida própria, que não seja dependente do Batman.
Ao longo da projeção, essas questões vão sendo desenvolvidas junto com a trama, que envolve um plano de Bane para SARACOTEAR Gotham de cima a baixo. É uma história mais complexa do que as anteriores, no sentido de que envolve mais personagens e mais situações – e infelizmente, na falta de tempo para desenvolver tudo, a produção acaba apelando para algumas coincidências inexplicáveis e saídas fáceis para dar andamento à balbúrdia (o operário no caminhão, Blake descobrindo um segredo, todos os policiais entrando nos túneis, entre outros). Não é algo que comprometa, pois são momentos isolados, mas é o tipo de coisa que se esperaria ver em um filme-blockbuster da Marvel, não no Batman descomunal do Nolan. Até porque, para dar tempo de colocar cenas que amarrem toda a brincadeira, é necessário sacrificar minutos importantes de momentos chave, como uma determinada conversa entre Bruce e Alfred, que passa a sensação de ser rápida demais.
Mas, tal qual um lateral direito ruim em um time, essas falhas não chegam a atrapalhar o andamento da obra. Porque Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge pega a palavra “épico”, mastiga e a cospe no chão. Contando com os já tradicionais ótimos diálogos (“a vitória derrotou você”), ótimos momentos cômicos (“você me liga?”) e reviravoltas no final, o filme carrega o público com facilidade através de suas duas horas e TANTOS MINUTOS. A galeria de personagens é como um buffet onde todos os pratos são torta de chocolate, cada um tendo suas características bem definidas e se tornando interessante frente ao público: Bane não é só um neandertal qualquer, mas um sujeito inteligente, treinado, com conhecimento, que possui uma visão bem definida do mundo e do seu plano; Selina Kyle é esperta, espirituosa, divertida e sempre imprevisível (e é interessante perceber como, em um Batman calcado no mundo real, os óculos que ela usa formam duas “orelhas de gato” quando levantados); John Blake cresce ao longo da projeção, ganhando liderança e experiências que serão determinantes para o final de sua história no filme; entre outros. São personagens que conquistam o espectador – essencial para que o público se envolva na brincadeira e realmente sinta os conflitos e consequências e resultados daquelas ações.
Trabalhando sempre com uma fotografia dessaturada e escura, para tornar Gotham mais cinzenta e próxima à realidade, Christopher Nolan mais uma vez cria uma atmosfera tensa, perigosa, de “vaca indo pro brejo”. O diretor possui uma visão muito bem definida das personagens (Bane, por exemplo, é constantemente enquadrado de baixo, realçando seu poder), para onde quer levar a história e comanda a balbúrdia com segurança, tanto nas cenas intimistas quanto nas de pancadaria generalizada – a primeira briga entre Batman e Bane, sem trilha, sem FIRULAS, é uma aula de tensão e efeitos sonoros. Para completar, Nolan ainda entrega algumas cenas ACACHAPANTES, como a escalada de Bruce ou as múltiplas explosões acontecendo em Gotham. Acompanha tudo isso uma montagem ágil, que confere bastante dinamismo às sequências e OPRIME o coração do espectador com o suspense quando acompanha eventos paralelos, e uma trilha descomunalmente épica, tão emocionante em momentos mais contidos e tão grandiosa nos momentos de ação que eu juro que vi uma caixa de som do cinema CHORAR.
Já o elenco dá o brilho costumeiro ao filme do morcegão. Christian Bale volta a ilustrar as diferenças entre Bruce Wayne e Batman no tom de voz e na postura, trazendo, desta vez, a frustração de encontrar um oponente fisicamente superior (e a cena onde ele grita com Bane no final é digna de brindes com cervejas belgas). E por falar em Bane, Tom Hardy consegue construir um vilão perigoso e interessante apenas com o olhar e a voz (cujo tom varia entre o desprezo e o sarcasmo), além de manter uma postura sempre relaxada, o que realça sua autoconfiança. Gary Oldman e Morgan Freeman continuam carismáticos, Anne Hathaway é uma obra de arte tão linda que devia ser exposta no LOUVRE e Joseph Gordon-Levitt confere personalidade e força a John Blake. E há, claro, Michael Caine, que, mesmo aparecendo pouco, transborda talento nas duas cenas mais tocantes do filme.
Assim, mesmo com as pequenas falhas, Batman – O Cavaleiro das Trevas é um excelente desfecho para uma poderosa trilogia. De 2005 pra cá, Nolan mostrou um homem-morcego complexo, desafiador, heróico, em uma Gotham City completamente crível. Uma abordagem realista que pegou todo mundo de assalto, realizando a rara combinação de agradar público e crítica – tanto que acabou influenciando outras franquias cinematográficas (abraço, Sherlock Holmes e Casino Royale). Então, se formos parar para pensar, temos um diretor que realizou uma trilogia inesquecível, nocauteou bilheterias mundo afora e cativou críticos por tudo que é canto. Ou seja, o único herói maior do que o Batman aqui é o próprio Christopher Nolan.
A Tragédia do Morcego?
Contém spoilers.
Completamente tomado por A Origem, Nolan resolveu deixar um final mais ou menos “dúbio” em Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, quando Alfred vai à Florença e vê o seu antigo patrão. A ideia de que Bruce Wayne ainda está vivo é perfeitamente plausível (ainda que exija bastante suspensão da descrença) se formos analisar os elementos que o filme apresenta (a nave sobrevive, o piloto automático estava consertado, havia aquele software que limpava os registros das pessoas nos arquivos públicos), ainda mais considerando que, se existe uma pessoa que Bruce gostaria de avisar caso estivesse vivo, seria o mordomo metido a engraçadinho.
Mas existe outra interpretação que acho mais interessante. Ao longo da trilogia, vamos aprendendo que Bruce Wayne é o verdadeiro disfarce do Batman, e não o contrário: em Batman Begins, Rachel fala para o bilionário “essa é sua verdadeira máscara”; em Batman – O Cavaleiro das Trevas, ela escreve em uma carta que jamais chegará o dia em que ele não vai mais precisar do Batman; e em Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Alfred chega quase ao desespero ao ver que seu patrão não consegue seguir a vida apenas como Bruce Wayne.
Nesse caso, o piloto automático consertado seria prova não de que o herói sobreviveu, mas sim de que percebeu sua situação. Percebeu que jamais conseguiria seguir em frente, levar a vida, e desistiu de tentar, preferindo criar uma inspiração que motivasse a cidade (um sacrifício parecido com o que ele fez no segundo filme, mas dessa vez pra inspirar algo, e não pra esconder algo). Assim, a cena envolvendo Alfred seria uma ilustração de tudo isso: somente na morte Bruce conseguiu superar os traumas, as perdas, as dificuldades, a dor. Só assim ele conseguiu escapar da sombra do Batman.
Uma interpretação dolorosa. Mas, acredito, muito mais poderosa e compatível com essa figura trágica que conhecemos nestes três filmes inesquecíveis.

As Olimpíadas e o ser humano

Hoje começaram as Olimpíadas. A abertura oficial é apenas na sexta, claro, porque as pessoas lá são muito boas em atletismo, vôlei, tiro ao alvo, arco e flecha, mas ninguém se formou em CALENDÁRIO. Mas enfim, começaram hoje, com os jogos do futebol feminino. E o início das Olimpíadas é o início de uma época de amor ao esporte pelo esporte. Vem junto todo aquele papo de “o importante é competir” e outras ATLÉTICOMINEIROZICES, e a verdade é que aquelas pessoas estão simplesmente felizes de estar lá, representando seus países em algo que amam. Um momento onde os olhos do mundo se focam para aqueles atletas, quase super-humanos, quebrando todas as barreiras, levando seus corpos ao limite e além para mostrar que sim, enquanto houver coração, enquanto houver paixão, o ser humano é capaz de realizar qualquer coisa. É nas Olimpíadas que enaltecemos não nossas criações, não nossas conquistas, mas nós mesmos. Hoje, foi dado o pontapé inicial para uma competição que eleva a humanidade enquanto ela mesma. O suor que desdenha do impossível. Os músculos que zombam do cansaço.  A vontade que subjuga as próprias leis da física. Hoje, tudo isso começou…

… e ficou em segundo plano.

Valente, mas nem tanto.

Valente (Brave)
3/5

Direção: Mark Andrews, Brenda Chapman, Steve Purcell
Roteiro: Mark Andrews, Brenda Chapman, Steve Purcell e Irene Mecchi.

Elenco
Kelly Macdonald (Merida – voz)
Billy Connoly (Fergus – voz)
Emma Thompson (Elinor – voz)

Merida é uma princesa inteligente, impulsiva, animada, independente, com objetivos e ambições para sua vida, enfim, uma mina massa. Mas, como boa adolescente, ela vive em conflito com a mãe, que deseja uma filha doce e requintada, e não a versão feminina do Calvin. Daí a pimpolha busca um feitiço pra mudar isso, um feitiço que, como TODOS OS FEITIÇOS DE TODAS AS HISTÓRIAS DO UNIVERSO QUE ENVOLVEM FEITIÇO, dá com os burros na água. E agora Merida precisa organizar a balbúrdia antes que, por algum motivo que o filme não deixa claro, tudo vá pro brejo de vez.

Se for parar pra pensar, Valente nada mais é do que a prova de que os animadores da Pixar são todos exibicionistas: a qualidade absurda da animação, claramente fruto de um pacto com o diabo, é de fazer até o zagueiro mais durão compartilhar no Facebook. Infelizmente havia uma DREAMWORKSZAÇÃO no ar, e toda essa qualidade no visual acaba servindo uma história que, com altos e baixos, recebe um Shift + Del do cérebro assim que o cara sai do cinema.
Nem a vida real é tão detalhada.
Na real, a película começa bem, apresentando Merida e toda a sua ruivice SAPECA e estabelecendo as atitudes que resultarão no “conflito” da história. Apesar de ser a protagonista e futura heroína de todas as feministas, a princesa age como uma adolescente qualquer, muitas vezes com um pouco de egoísmo e se fazendo de vítima (“não venha tentar colocar a culpa em mim”), enquanto sua mãe mostra lados vulneráveis e carinhosos no meio daquela carapuça de mestre-de-cerimônias. Isso torna as personagens tridimensionais, tornando a relação de ambas mais complexa – o que é assaz importante para que o público não considere a rainha uma mistura entre vilã de novela e softwares de animação.
Contando com uma galeria diversa de personagens que, embora visualmente BATUTAS, não chegam a ser muito desenvolvidos, Valente consegue criar momentos de humor genuíno sem precisar parodiar filmes famosos (abraço, Dreamworks), como a excelente sequência do arco e flecha ou a alegria contagiante do Rei Fergus. Por outro lado, a produção claramente incorpora o espírito adolescente de sua protagonista, porque não parece saber muito bem o que quer: o grande conflito da trama demora muito para ser apresentado e não traz um antagonista, oportunidades para cenas de ação, superação e tensão. Assim, a primeira metade do filme é bem apresentada e desenvolvida, mas a segunda metade liga o modo turbo e vai jogando acontecimentos sem ter uma antecipação para eles (o grande vilão, por exemplo, só é apresentado naquele momento da festa onde o DJ toca baladas românticas pra mandar todo mundo embora). Assim, todas as mudanças, aprendizados e reparações ocorridas no ato final parecem fruto não de uma evolução da trama, mas sim de alguma ditadura interna da Disney que obriga que essas questões edificantes apareçam. Sabe quando aquele teu amigo diz que é parceiro de viajar no feriadão, mas, após falar com a namorada, ele “subitamente” perde a vontade? É mais ou menos isso. O que é uma pena, já que as personagens tinham bastante potencial.
Entretanto, a parte visual de Valente é não só arrebatadora como impressionante, e fatalmente fará alguém trocar o texto do verbete “qualidade técnica” da Wikipédia por um print do filme. Desde os cabelos rebeldes de Merida (que parecem ter vida própria) até os detalhes mínimos das texturas de roupas, mesas e tecidos, passando por paisagens deslumbrantes, a Pixar atinge níveis estratosféricos de qualidade. Toda a reconstituição de época é sensacional, transportando o público para aquele tempo (e só pela cena da cachoeira o filme já merece o Oscar de Direção de Arte). Tudo bem que os diretores não chegam a criar nenhuma sequência realmente memorável usando toda essa vitória, mas é que nem um quadro ou a Scarlett Johansson, só olhar já é cativante – ainda mais quando vem acompanhado de uma bela trilha, que dispara notas escocesas e gaitas de foles no público como se não houvesse amanhã, o que é sempre garantia de sucesso.
No final das contas, Valente se mostra um esforço bacana, bonito, apresentando uma personagem interessante e oferecendo ao público uma experiência agradável. Entretanto, dada a alta qualidade da animação, a capacidade da Pixar, e, principalmente, o potencial das personagens, podemos dizer que, tal qual a vida, o filme decepciona. É uma grande melhora em cima do patético Carros 2, claro, mas preguiçoso o suficiente para ficar bem atrás dos outros no escala Wall-E de animação. Resta torcer para que a Pixar logo volte a fazer aquelas histórias inesquecíveis, que sequestram o coração do espectador e se recusam a devolver. Porque Valente é divertido e tudo mais, mas dessa vez John Lasseter e cia. não conseguiram acertar em cheio no alvo.

O Espetacular Homem Desnecessário

O Espetacular Homem Aranha (The Amazing Spider Man)
2/5

Direção: Marc Webb
Roteiro: James Vanderbilt, Alving Sargent e Steve Kloves, baseado na personagem criada por Stan Lee e Steve Dikto.

Elenco
Andrew Garfield (Peter Parker/Homem Aranha)
Emma Stone (Gwen Stacy)
Rhys Ifans (Dr. Curt Connors)
Martin Sheen (Tio Ben)

Peter Parker é um adolescente inteligente, descolado e órfão da coisa que todos mais prezam no mundo, a motivação dramática que não apela pra misteriozinho. Daí um dia Peter fica surpreso ao ser picado por uma aranha radioativa, mesmo que tenha acabado de sair de um CARROSSEL de aranhas radioativas, e ganha um monte de superpoderes legais. Mas daí ele acaba preso em uma teia (piada obrigatória) de acontecimentos, a vaca radioativa vai para o brejo e nosso herói descobre que com grandes poderes vêm grandes reboots de séries.
Reiniciar uma série é algo que pode ser bem legal, como Star Trek provou. É algo que pode ser bem interessante, como Sherlock Holmes provou. É algo que pode fazer todo mundo esquecer que os filmes anteriores eram uma GAIOLA DAS LOUCAS e usar apenas hipérboles pra definir os novos, como os  Batmans do Christopher Nolan provaram. No entanto, reiniciar uma série é uma oportunidade para entregar uma nova visão da história/personagens – e nesse caso, O Espetacular Homem Aranha, apesar de ter uma trama aparentemente mais “sombria”, não acrescenta nada ao que Sam Raimi já havia feito nos filmes anteriores.
“You better lawyer up, asshole. ‘Cause I’m not coming back for the radioactive spider. I’m coming back for EVERYTHING.”

O que não é surpresa, já que a produção conta com um roteiro vacinado contra a criatividade e o bom senso. Tudo bem, algumas tiradas até são divertidas e alguns momentos até legais, mas, tal qual um ou outro jogador da seleção brasileira, eles estão envolvidos pelo fracasso absoluto. Para começar, não há a definição de uma “história” propriamente dita: começa com os pais de Peter indo embora, daí entra o interesse amoroso, depois as bugigangas e o Dr. Connors, a descoberta dos poderes, o lagarto, a família de Gwen, o ódio da polícia… tudo isso irrompe no filme sem muita explicação, sem muita lógica, sem desenvolvimento, enfim, sem. É com se as cenas fossem queijo ralado e alguém simplesmente jogasse elas em cima do roteiro. O filme não pega uma das tramas pela gola e a carrega até um ponto satisfatório; ao contrário, aposta nas convenções mais PERRENGUES para tentar amarrar tudo.
O que leva ao superpoder que realmente  guia O Espetacular Homem Aranha: a coincidência. Não basta que um funcionário da Oscorp acidentalmente deixe cair uma pasta com algo totalmente ligado ao mistério que Peter tenta decifrar, que Gwen tenha acesso total ao laboratório de BIOFICÇÃOCIENTIFICOLOGIA, que Connors sabia tudo sobre o pai de Peter mas faça beicinho para dizer, é preciso ainda que o protagonista acidentalmente caia em um ringue de luta livre com um pôster de um lutador mascarado ao lado enquanto um inimigo grita “eu vi seu rosto!”. A película é um grande buffet de soluções fáceis e implausíveis, que a toda hora uma suspensão da descrença radioativa para funcionarem (jamais funcionam).
E o melhor é que tudo ainda fica pior quando paramos pra prestar atenção nas personagens. Peter Parker, por exemplo, jamais tem uma motivação convincente: o misteriozinho dos pais é CHINFRIM, a morte do Tio Ben ficou tempo demais no forno e acabou seca e sem gosto, o relacionamento com a Gwen é construído através de injeções de clichês… disso tudo sai uma personagem nada carismática, que jamais cativa o espectador enquanto fica de chorinho pra lá e pra cá – exceto, claro, quando sem motivo nenhum começa a fazer piadas (fracas) enquanto Homem-Aranha (sei que a ideia é ele se “soltar” dentro do uniforme. Mas o filme não dá a entender isso). Já o Dr. Connors é tão profundo quanto uma entrevista de jogador de futebol, alternando entre o modo educado e o modo agressivo e lembrando ao público o tempo todo que ele quer o soro de lagarto pra si (“Mudar a vida de todos. E a minha”). O resto da galera só passeia pelas cenas, eventualmente quase sendo vítima do Lagarto e escapando por pouco.
Não ajuda muito que Marc Webb, provavelmente escalado apenas pelo sobrenome, atropele a história com uma falta de imaginação enorme na direção. Se ele acerta (a transição para a Oscorp é elegante, as cenas em primeira pessoa são bacanas, embora destoem da linguagem do filme), provavelmente é porque não conseguiu fazer as coisas saírem como ele imaginava. Não há nada realmente chamativo nos enquadramentos, as coreografias de luta são um disco riscado (o Lagarto esmaga o Aranha contra a parede; o Aranha escapa e usa as teias; o Lagarto escapa das teias e esmaga o Aranha contra a parede; o Aranha…), e nem os momentos onde o cabeça-de-teia fica TARZANEANDO pela cidade são memoráveis. Tudo bem que o roteiro já pratica bullying contra o filme, mas dava pra ter tentando ao menos algo legal, né? No mínimo uma trilha não tão irregular (alterna ótimos momentos – na ação, principalmente – com outros de fazer o cara se arrepender de ter nascido com tímpanos.
Mas boa parte do problema vem do fato de que ninguém avisou ao Andrew Garfield que Peter Parker ra o protagonista, e, como tal, tinha que ser cativante ou ao menos interessante. Garfield se limita a sorrir torto, fazer carinha de choro, e, basicamente, sugar sem piedade qualquer carisma que porventura aparecesse na cena. Ao menos ele não sente solidão, já que Emma Stone, embora pegável AS GANHA, pouco pode fazer para tornar Gwen minimamente interessante. Os únicos que se destacam, aliás, são Martin Sheen, que convence o espectador daquele lado “eu sou velho mas entendo você e tenho conselhos pertinentes para dar” de Ben Parker, e Rhys Ifan, que consegue transitar bem entre os lados cortês e ameaçador de Curt Connors, embora o roteiro obrigue-o a fazer isso sem lógica nenhuma.
Contando ainda com a previsibilidade total (como a máquina de toxina que aparece do nada no meio da história e “some”), diálogos tão subdesenvolvidos que seriam classificados como “terceiro mundo” (“não é seu trabalho”, “talvez seja”), cenas batidas LIQUIDIFICADORIFICADAS (a aparição de Stan Lee) e, pasme, até patriotismo americano (reparem no enquadramento da bandeira dos EUA quando os trabalhadores vão ajudar o cabeça-de-teia), O Espetacular Homem Aranha se mostra um esforço completamente pálido e desnecessário. É bem produzido sim, e tem alguns momentos realmente bons sim (a teia no esgoto, a cena onde Peter vai descobrindo os poderes), mas em nenhum momento consegue envolver o público ou entregar uma experiência impactante. Na tentativa de fazer algo mais dramático e profundo como os Batmans do Nolan, Marc Webb só conseguiu mostrar o mais novo e letal predador das aranhas: a ganância hollywoodiana.

O Colecionador de Colecionadores

Dizem por aí que não se julga um livro pela capa (atitude que questionei aqui), mas e pelo nome? Dia desses eu estava navegando pelas prateleiras da Saraiva do Praia de Belas, provavelmente procurando algum Borges ou Castañeda, quando me deparei com um título de livro intrigante: O Colecionador de Colecionadores. Puxei a obra como se ela fosse um atacante dentro da área e eu um zagueiro amador e constatei que era uma sinopse interessante (ali dizia que o livro era narrado em primeira pessoa e sob o ponto de vista de um vaso, um vaso milenar, que agora tem como dono Rosa, uma especialista em relíquias que trabalha verificando o valor das mesmas), tirei o cartão da carteira e resolvi praticar um pouco de capitalismo.

O Colecionador de Colecionadores obviamente tem um pé no absurdo, uma vez que é narrado em primeira pessoa por um objeto inanimado. Assim, as relações, acontecimentos e histórias possuem liberdade para seguir pelo caminho que quiserem – o que, dada as experiências pelas quais um vaso com milhares de anos já passou e a criatividade ensandecida do autor Tibor Fischer, resulta em histórias devastadoramente divertidas, diferentes, irônicas, espertas, surpreendentes, engraçadas, trágicas e muito mais. Da mesma forma, Fischer povoa o tempo “presente” da balbúrdia com personagens completamente ensandecidas (tem uma mina que se chama “Trambolho”, por exemplo), que jamais seguem um padrão ou agem de forma que faça o leitor apontar e dizer “rá, eu sabia!”, tornando-se ainda mais interessantes – o momento onde descobrimos o que Rosa esconde em uma casa mais afastada, por exemplo, é tão chocante que vai aumentar sua conta de luz em uns 60%.

Narrada em frases que chegam a suar de inspiração (quando algo acontece do outro lado do mundo, não acontece “muito longe”, ou “em outro continente”, e sim “a dois naufrágios de distância”), a obra fisga o leitor com tanta intensidade quanto as fotos da Carolina Dieckmann nua (ok, um pouco menos, talvez). É muito fácil e divertido IRROMPER pelas páginas, percebendo que trama e estilo narrativo convergem de forma perfeita e sincronizada em direção à vitória. Tipo de coisa que deixa o cara quase babando de vontade de acabar de ler, sentar no computador e escrever alguma outra coisa sensacional (que nunca acontece, mas o sentimento é muito legal).

Coisa mais original, interessante e criativa que passou pelas minhas mãos em muito tempo, O Colecionador de Colecionadores foi uma excelente surpresa, atingindo o grau máximo de FSPTEDBC (Felicidade Súbita Por Ter Encontrado Dinheiro no Bolso da Calça). E, assim, consolidou uma nova forma de avaliação do potencial de uma obra: se não conhecer o autor e não se decidir se a capa é legal ou não, vá pelo título. É batata.

Para Roma, com idealização

Para Roma Com Amor (To Rome With Love)
4/5

Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen

Elenco
Woody Allen (Jerry)
Roberto Benigni (Leopoldo)
Judy Davis (Phyllis)
Alison Pill (Hayley)
Alec Baldwin (John)
Jesse Eisenberg (Jack)
Alessandra Mastronardi (Milly)
Fabio Armiliato (Giancarlo)
Penélope Cruz (Anna)
Ellen Page (Monica)

Para Roma Com Amor acompanha diferentes histórias ocorridas na capital italiana: um casal de jovens precisa lidar com a insistência do pai dela em transformar o pai dele em um astro de ópera; um estudante de arquitetura começa a ficar todo DENGOSO quando a amiga de sua namorada chega para visitá-la; um trabalhador comum de classe média de repente se torna muito famoso; e um casal recém chegado em Roma se depara com duas aventuras separadas: ela se perde na cidade e acaba encantada por um ator famoso, ele sem querer faz uma prostituta se passar por sua mulher na hora de conhecer os tios.
Após utilizar Paris para falar sobre nostalgia, Woody Allen viajou até Roma para falar sobre idealização. E, ainda que Para Roma Com Amor aborde o tema de forma bem mais superficial e por vezes óbvia, ele é bastante divertido, bastante engraçado, bastante cativante e bastante Penélope Cruz em vestido curto e apertado para conquistar o espectador.

Oscar de figurino é obrigação.

E Allen já começa bem através do monólogo do guarda de trânsito, que, ao fazer comentários sobre esse grande caixa automático em manutenção que é a vida, acaba amarrando todas as tramas em torno de um conceito geral (elas não necessariamente se cruzam). Além disso, o sujeito já faz uma apresentação do principal tema abordado no filme: ao falar que ele vê a vida se movimentando em uma rotatória de carros, indo pra lá e pra cá, já indica que as personagens que veremos a seguir estão confusas, em um momento de suas vidas onde ainda não têm certeza pra onde vão – algo que é reforçado ao longo da produção, com muitas delas pedindo informações de direção na capital italiana.
A partir daí, Para Roma Com Amor fica passeando pelas histórias, acompanhando a galerinha nas confusões que eles se metem. E é inevitável que algumas sejam mais interessantes do que as outras, mas a história envolvendo Leopoldo é particularmente fracassada, investindo em apenas uma piada repetida dúzias de vezes (a reação chocada do sujeito ao estouro da boiada dos paparazzis), embora Benigni tenha um timing cômico devastador (os trejeitos frenéticos dele são hilários). Allen até ensaia uma crítica à superficialidade e sensacionalismo da mídia, mas, tal qual um mergulhador medroso, não vai muito fundo.
Por outro lado, as outras tramas se beneficiam daqueles roteiros vitoriosos que o roteirista/diretor costuma fazer, apresentando personagens interessantes em situações interessantes e criando beleza através de diálogos épicos (“a situação faz o ladrão”, “o que a mãe dele faz? Dirige uma casa para pessoas com lepra?”). Mais do que isso, a película aproveita para discutir o quanto determinadas fantasias nos atraem e acabam nos enganando: Jack enxerga em Monica apenas tudo que o atrai, deixando de perceber o lado superficial dela (que é acertadamente exposto pelo Jack mais velho a cada situação); Jerry acredita que, embora aposentado, sua grande contribuição ao mundo está para chegar, e agarra uma oportunidade sem realmente pensar na questão; Antonio e Milly se envolvem em tramas que, em suas mentes, vão mudar suas vidas (mas acaba não sendo bem assim); e até mesmo o Leopoldo entra nessa laia, já que, enquanto um sujeito de vida comum, acaba preso na fantasia de sair dessa rotina.
Assim, Para Roma Com Amor consegue girar o assunto sem parecer enfadonho, trabalhando sempre (quase sempre) com um roteiro divertido e inspirado, e que consegue ainda entregar sucesso em pequenos detalhes (percebam como os momentos em que Jack e Monica ficam mais próximos ocorrem durante tempestades, indicando caos, confusão). Claro, aqui e ali existem algumas coisas mais óbvias e preguiçosas, mas no geral o nível de desenvolvimento das histórias e dos diálogos é bastante fluido, engraçado, atraente, praticamente uma tarde de sábado com sol e cerveja.
Allen dirige o filme com a competência de sempre, investindo bastante em enquadramentos abertos para juntar turminhas na tela e mostrar a cidade – por isso, a produção possui uma mise-en-scene movimentada pacas, o que torna a troca de diálogos bastante dinâmica. A cidade de Roma é sempre fotografada com luz e tons claros, embora nem de longe seja mostrada com a mesma PAIXONITE de Paris em Meia-Noite em Paris (aliás, o fato de ser Roma não interfere muito na história). Contando ainda com uma trilha divertida, minimalista e adequada à locação (ou seja, italiana), Para Roma Com Amor só peca um pouco na montagem, que em determinados momentos se torna um pouco arrastada e tira o ritmo do filme (como na trama do Leopoldo).
Além do já citado Benigni, merecem destaque no elenco também o próprio Woody Allen (cuja neurose total resulta no timing cômico definitivo), Fabio Armiliato (que torna Giancarlo uma personagem carismática e divertida de forma extremamente natural), Alec Baldwin (o olhar cínico do John velho sobre as situações devia pedir em casamento a forma rápida e frenética com a qual o ator dispara as frases) e Judy Davis (que constrói uma química legal com Allen através de sua pronúncia seca e intensa dos diálogos). Na verdade, todo o elenco está bem afinado, o que é um dos principais motivos para o sucesso do longa – e convém citar que, além de talentosa, Alessandra Mastronardi é dona de uma beleza lacrimejante, que só não eclipsa o mundo todo pelos centímetros faltando no vestido vermelho usado por Penélope Cruz.
É curioso que, de todas as personagens, Jerry seja a única a manter a idealização de suas ações, e o faz apenas por pura questão de, bem, falta de conhecimento da língua italiana. Eu digo “curioso” porque o filme é mais uma vitória de Woody Allen, e, seja qual fantasia o diretor tivesse ao se afastar de Nova Iorque para filmar, após Match Point, Vicky Cristina Barcelona, Meia-Noite em Paris e este Para Roma Com Amor, ela certamente se concretizou.