As Aventuras do Homem-Clichê – 2

O belo amanhecer irradia de vontade e alegria os habitantes de Tranquilópolis. Em mais um dia de trabalho, eles caminham pelas ruas do centro para manter a economia da maior cidade do mundo girando. No centro temos a delegacia, liderada pelo Comissário Chief, a gravidade em torno da qual gira a Lei da metrópole. Os passos confiantes de um líder o levam até o escritório, onde sem hesitar ele toma uma decisão e pega o telefone vermelho:

– Homem-Clichê, precisamos de sua ajuda!

Enquanto isso, o inconveniente vilão Emfila ataca os incautos empreendedores que se aventuram no Banco Tranqüilo. Usando seus poderes de multiplicação, ele obriga o caixa a abrir o cofre, rouba velhinhas e tira doces de crianças. O horror, o horror. A tragédia econômica se anuncia sobre o estabelecimento, a menos que uma força do bem surja para manter a estabilidade e salvar as finanças construídas durante anos de exploração mineral em países menos desenvolvidos.

– Pare por aí mesmo, Emfila. A justiça não deixará você prevalecer sobre trabalhadores honestos e verdadeiros!

– Homem-Clichê! Eu não tinha dúvidas de que você daria as caras, seu maldito!

– Onde quer que a paz esteja sendo ameaçada, lá estarei para defender a união entre os povos. Então renda-se, incapaz vilão, pois minhas nada surpreendentes habilidades irão derrotá-lo.

– Isso é o que veremos!

Emfila e suas inéditas frases de efeito começam a se multiplicar, cercando o galante aventureiro da moral. Os ataques são muitos, mas o Homem-Clichê maravilhosamente evita todos eles, procurando qual das infames cópias é o verdadeiro antagonista. Seus incrivelmente aguçados sentidos logo percebem a ausência de sombras nas imitações, o que significa que basta encontrar aquele com sombra para descobrir o verdadeiro inimigo.

– Já descobri seu truque, ignóbil malfeitor: localizando quem possui reflexo no chão, saberei qual de vocês é o demônio que ousa invadir a tranqüilidade de Tranquilópolis.

Após explicar seu plano sem motivos aparentes, o herói das multidões ataca rapidamente com suas veneráveis habilidades. Não percebendo a velocidade alucinante dos golpes o nefasto Emfila é atingido em cheio, caindo desacordado em cima de caixotes de madeira.

– O Bem sempre triunfa sobre o mal, desmaiado antagonista. Espero que você aprenda com seus erros a levar uma vida justa e correta, assim como os banqueiros. Agora vou me virar de costas em desprezo aos seus malignos objetivos, pois tenho certeza que você está derrotado.

Mas surpreendentemente o maléfico vilão ainda estava consciente. Enquanto o Homem-Clichê celebrava sua vitória de forma magnânima, o Emfila se aproximou por trás sem que ninguém o percebesse:

– Morra, Homem-Clichê!

Quando o desbravador da verdade retoma a consciência, ele percebe que se encontra em um porão maligno cercado por máquinas do mau. Amarrado em uma mesa cirúrgica, o campeão da disciplina não consegue se mover. Enquanto ele luta para dar liberdade à justiça, o ardiloso Emfila surge das sombras com apenas uma luz difusa iluminando seu rosto.

– Desista, Homem-Clichê, você não conseguirá soltar-se dessas amarras. E com seu maior herói vencido, Tranquilópolis cairá ante meu poder!

Após soltar uma risada maligna, o nefasto inimigo aproxima-se do Homem-Clichê enquanto arruma um artefato em cima da cama onde o grandioso lutador está amarrado.

– Está vendo essa arma laser? Ela está conectada àquela engrenagem, que vai girar quando a latinha cair de cima da estante, que vai se empurrada pela bolinha, que vai descer pela madeira quando o pêndulo bater nela, que vai ser movimentado por uma lufada de ar, que vai ser causada por um secador, que terá energia vindo daquele ratinho correndo na roda! Quando isso acontecer, você será história, e a cidade será minha!

Retirando-se da sala, o Emfila deixa um suspense quase insuportável no ar: conseguirá o Homem-Clichê escapar dessa? Não perca o desfecho desta intricada história no próximo e emocionante capítulo de nossas aventuras!

As Aventuras do Homem-Clichê – 1

É um dia pacato em Tranquilópolis. O sol brilha como sempre, os parques estão lotados de famílias felizes e as cercas das casas tornam-se cada vez mais brancas. Ah, como é bom viver em um lugar assim, livre de preocupações. E olha quem caminha tranqüilo pela estrada, indo em direção à escola com sua lancheira. Como vão as coisas, pequeno Timmie? Nada melhor do que uma aula de manhã para estimular a cuca.

– Minha mãe sempre diz: quem começa o dia mais cedo não precisa trabalhar no fim de semana quando adulto!

É verdade, pequeno Timmie. É verdade. Afinal o que importa é apenas o que você acha de si mesmo. E educar as crianças de agora é criar um futuro melhor para este nosso mundinho azul. Aproveite então esta oportunidade de aprender e… cuidado, pequeno Timmie! É o Bucaneiro Virtual!

– Que tal um filme novo e que nem saiu no cinema ainda, garotinho? Tenho aqui preços que a chefia não encontra em nenhuma loja.

Essa não! O pequeno Timmie foi atraído pela conversa do Bucaneiro Virtual e está prestes a cometer um ato ilegal, pois se ele não roubaria uma bolsa, então não deveria roubar um filme! É terrível! Precisamos urgentemente de um super-herói que apareça no último segundo para salvar a moral da história.

– Mantenha seus produtos nefásticos longe do inocente Timmie, Bucaneiro Virtual!

É o Homem-Clichê! O defensor dos fracos, oprimidos, das minorias, do politicamente correto e dos roteiristas mediocres!

– Homem-Clichê! Eu tinha certeza que você apareceria, seu maldito.

– Onde o chamado da justiça é alto e claro, lá estou. Agora renda-se, vil vilão, pois meus previsíveis poderes irão colocá-lo onde você merece estar: atrás das grades.

Com o peito estufado e as mãos na cintura, o arauto da justiça rebate os ataques do maléfico Bucaneiro, mostrando que a força sempre supera a desordem. Vamos lá Homem-Clichê, o pequeno Timmie está contando com você! Traga a luz para a escuridão, dando a esta cidade um novo amanhecer. Derrote de vez o malfadado perturbador da ordem!

– Acabou, pequeno Timmie. Com meus poderes, derrotei de vez o Bucaneiro Virtual, que passará o resto da vida aprendendo como o crime não compensa. Vou inocentemente virar as costas para ele, pois o degenerado vilão já foi vencido, e…

Cuidado, Homem-Clichê, o Bucaneiro ainda está acordado! Essa não, com uma rajada de Torrent ele derrubou o paladino da verdade, que caiu desacordado no chão. Sebo nas canelas, pequeno Timmie, porque agora deu zica, e o insano vilão tem o controle da situação.

– Com o Homem-Clichê fora do caminho, nada poderá me deter!

O vilanesco antagonista tem razão, sem o Homem-Clichê a vaca foi pro brejo. Espere, o herói dos bons valores está se levantando, superando seus próprios limites. É inacreditável!

– Isso… mesmo. Não importa… quantas vezes eu caia… a Justiça corre nas minhas veias, e é por ela que eu sempre me levantarei, mesmo… mesmo que meu corpo não agüente mais..

Reergua-se das cinzas, cavaleiro da disciplina! Mostre ao malcriado ser do que é feita a ordem!

– Você vai se arrepender por ter violado os direitos autorais, Bucaneiro Virtual! Prepare-se para receber o meu ataque mais poderoso: MEIA-LUA PRA FRENTE + SOCO!

– Essa não, o ataque do Homem-Clichê está vindo quase na velocidade da luz, não terei tempo de.. aaaaaaarrrrrhhhggg!

Com o ímpeto que marca as grandes lendas da História, o defensor das virtudes ataca sem dó, eliminando de vez a ameaça do Bucaneiro Virtual. Tranquilópolis volta a ser um lugar calmo, habitado por pessoas de bem e com os valores necessárias para manter o bom andamento da comunidade. E você, pequeno Timmie, aprendeu alguma coisa com isso tudo?

– Com certeza: devemos fazer sempre a coisa certa, senão acabaremos tomando uma surra da justiça!

Hahaha, é isso mesmo, pequeno Timmie. É isso mesmo. E lembre-se sempre: o crime não compensa. A verdade é sempre o melhor e caminho. Até a próxima!