Breves comentários sobre os últimos livros que li.

As Entrevistas da Paris Review – Vários
Como toda boa coletânea, As Entrevistas da Paris Review tem altos e baixos. É extremamente divertido ver Hemingway admitindo que dera uma resposta estúpida mas apenas porque a pergunta também era estúpida, ou Faulkner descartando os escritores e dizendo que só a obra é importante, mas a entrevista com W. G. Auden passa batida e a verborragia de Ian McEwan fica entediante às vezes. No fim das contas, a melhor é a de Amón Oz, de quem curiosamente nunca li nada – tirando do páreo a entrevista com Borges, claro, que não posso avaliar porque ainda não descobri o que veio antes: Borges ou a escrita.

Vida Querida – Alice Munro
Esse é um dos poucos vencedores do Nobel de Literatura que li, o que indica como sou desqualificado para falar qualquer coisa sobre o assunto. É um livro que sempre mantém um nível alto, não tem nenhum conto ali que faça o leitor lamentar não ter investido o dinheiro em cerveja, e sempre com uma sensibilidade tocante – que atinge níveis lacrimejantes em Amundsen e O Olho, entre outros. Ainda assim, confesso que no panorama geral não tive uma sensação NOBELÍSTICA, o que me faz pensar que talvez tenha levado o prêmio pela regularidade de qualidade nos contos,  o que me faz pensar que o Nobel é um grande torneio de pontos corridos.
Agora Deus Vai te Pegar Lá Fora – Carlos Morais
Esse na real eu já tinha lido, mas ficou ainda melhor na releitura. É uma daquelas obras carismáticas ao extremo, que certamente seriam extremamente populares em um eventual colégio de livros. Engraçada sem apelar, envolvente sem apelar, com uma galeria de personagens incrivelmente criativa e uma melancolia doce que despeja sentimentos no coração do leitor, Agora Deus Vai Te Pegar Lá Fora é uma daquelas surpresas literárias às quais a gente se apega e quer levar junto para sempre.
Condenada – Chuck Palahniuk
Sou um grande fã do Chuck Palahniuk (embora sempre tenha que conferir o nome dele no Google antes de escrever), tenho Clube da Luta tatuado no meu CÉREBRO, admiro muito a subversão e a forma com que ele jamais julga as personagens, mas Condenada parece um esforço menor. É extremamente eficiente e uma plataforma perfeita para a imaginação cruel do CHUCKÃO, que consegue ser criativo mesmo em momentos mais óbvios (como o do telemarketing), mas ainda assim soa um pouco contido demais, derrapando no tradicional em alguns pontos (estamos falando do cara que escreveu o conto Guts, afinal). Além disso, a personagem parece espertinha demais e fala de forma espertinha demais para alguém com 13 anos. Vale a leitura, entretanto, especialmente se você quiser conhecer o maligno sistema de telemarketing.

A Ilusão da Alma: Biografia de uma Ideia Fixa – Eduardo Giannetti

Esse é um daqueles “livros que fazem pensar”. A batalha de um sujeito tentando se desvencilhar da ideia de que seus pensamentos não são realmente seus, mas sim fruto de reações químicas, é envolvente e vai dar um nó no cérebro do leitor (mas um nó bom, não um nó no sentido “não tou entendendo nada aqui é melhor deixar o livro de lado e entupir o cérebro com álcool”). Uma jornada extremamente interessante e que vai te deixar pensando se o que você está pensando é realmente o que você está pensando.
Os Quatro Grandes – Agatha Christie
Mais uma daquelas grandes tramas de assassinato e mistério da tia Agatha, dessa vez envolvendo também uma grande conspiração. Sei que vou SECAR NA TOALHA, mas a capacidade da escritora de manipular as circunstâncias e levar a história até situações imprevisíveis é brilhante. Além disso, tem Hercule Poirot e o capitão Hastings, o que já é 90% da qualidade necessária para um livro.
Batman – O Que Aconteceu Ao Cavaleiro Das Trevas? – Neil Gaiman
Essa é uma daquelas histórias surpreendentes, com rompantes de criatividade e genialidade surgindo a todo momento. Mostra com dramaticidade e intensidade a relação das personagens de Gotham City com o homem-morcego, construindo, ao longo do caminho, revelações importantes sobre a personalidade do próprio Batman e a forma com que as pessoas o veem. E aquela sensibilidade no final da história é de sentar no cantinho e chorar.
A Dama do Cachorrinho – Tchekov
Tive uma experiência muito, digamos, de entender que nunca soube escrever após ler a coletânea de contos O Beijo, do Tchekov, esse russo cujo superpoder é visão de raio-x das almas das pessoas. Entretanto, esse A Dama do Cachorrinho não me deixou muito impressionado: alguns contos (como o que dá nome ao livro) realmente se destacam, mas outros, como A Morte do Funcionário e O Enxoval, me deixaram com uma expressão meio “é, tudo bem” no rosto. Queremos mais Enfermaria Nº6, galera. Mais Enfermaria Nº 6.
Um Estudo em Vermelho – Sir Arthur Conan Doyle
Após ficar completamente em chamas com a série Sherlock, decidi revisitar o mundo literário de Sir Arthur Conan Doyle. E Um Estudo em Vermelho funciona muito bem como apresentação de personagens e trama de mistério, tornando o processo investigativo sempre interessante por causa daquele lance onde o Sherlock pega umas coisas totalmente nada a ver e desenterra alguma conexão brilhante com o crime. O revés fica por conta dos cinco primeiros capítulos da parte 2: ainda que bem escritos pacas, sua importância para a história é questionável e o único sentido de sua existência parece a encheção de linguiça. Não chega a atrapalhar, apesar de ser um “mas o que diabos…?” de Wikipédia.
O Lobo do Mar – Jack London
Uma poderosa narrativa envolvendo náufragos, navios, pancadaria e palavras legais como “estibordo”. A atmosfera tensa da escuna Ghost, tomada de personagens peculiares e de um comportamento quase primitivo, atinge seu ápice no capitão Wolf Larsen: extremamente violento, impiedoso e materialista, ele é também um filósofo da condição humana, refletindo a respeito das escolhas possíveis e optando pelo caminho do tocar o terror em todo mundo alucinadamente porque é o que mais se assemelha à nossa existência animal. Os diálogos entre ele e van Weyden são sempre interessantes, e acabam elevando  O Lobo do Mar para outro nível.