Breves comentários sobre os últimos livros que li

A Gangue do Pensamento – Tibor Fischer
Gosto muito da escrita desse cidadão. A Gangue do Pensamento não chega a ter a criatividade de O Colecionador de Colecionadores, mas puxa o leitor pelo colarinho com a trama interessante, as personagens absurdas (Hubert é praticamente uma monografia de nonsense) e caracteres cuidadosamente escalados na posição correta. A atmosfera geral é divertida e descontraída, e Tibor Fischer leva a coisa fugindo do óbvio e com um humor inspirado, fruto de quem manja do riscado – por exemplo: após cerca de 150 páginas elegantes, uma inesperada infantaria de palavrões quebra completamente a expectativa do leitor. Gargalhei.
Armagedom em Retrospecto – Kurt Vonnegut
Já conhecia parte do trabalho de Vonnegut através de citações aleatórias de seus livros no Twitter, mas Armagedom em Retrospecto é a primeira obra que realmente leio. É uma coletânea de contos daquela época em que Hitler decidiu que era o dono do campinho e saiu por aí exigindo coisas. É também bastante satírico e mordaz, indo de curiosos pequenos retratos dos campos de batalha (em Armas Antes de Manteiga três prisioneiros conversam sobre culinária e os pratos que querem provar após voltarem para casa enquanto quebram pedras) a mergulhos na alma humana tão profundos que é recomendável ter cuidado com a descompressão (Pilhagem é um pequeno relato que deixa grandes estragos).
O Professor do Desejo – Philip Roth
Mais uma daquelas jornadas de Philip Roth repletas de questões sexuais e humor. O talento e a capacidade que o sujeito tem de construir situações continuam me deixando com inveja (não “inveja branca”. Inveja ruim. Do tipo “eu queria ter isso e não me importa o que seria necessário para alcançar”), e O Professor do Desejo pinta um baita panorama do jovem David Kepesh, cujas atribuladas desventuras sexuais – da infância no hotel ao quartinho em Londres  – criam uma personagem complexa e interessante.
Everything is Perfect When You’re a Liar – Kelly Oxford
Conheci a moça através das postagens inspiradas no perfil @kellyoxford, o que por si só já torna o Twitter a melhor rede social de todas. É um livro autobiográfico. Ou uma ficção escrita com uma abordagem autobiográfica, já que coisas como viajar do Canadá até Los Angeles na esperança de encontrar o Leonardo DiCaprio parece bem coisa de ficção (se bem que não sei, né, a vida às vezes é mais nonsense do que o próprio nonsense). Everything is Perfect When You’re a Liar não tem nada muito profundo ou revolucionário, mas é realmente divertido e bem escrito. Apesar das elipses entre alguns capítulos confundirem um pouco e da maciça referência à cultura pop (que não me incomoda, só que algumas passam batido), Kelly tem uma voz própria bem distinta e engraçada, tornando a leitura fluida como o xixi que ela fez nas calças em um posto de gasolina (ou disse ter feito).
Guerra Civil – Uma pá de gente
Na verdade, Guerra Civil é uma saga envolvendo diversas revistas da Marvel durante um certo período de tempo, mas botei aqui porque considero quadrinhos uma arte tão relevante quanto literatura “séria” (além do mais, talvez botar a Marvel aqui traga mais visitas). A ideia do registro dos super-heróis vai de encontro a muita coisa de ética e privacidade discutida hoje em dia, e a divisão em tudas turminhas opostas vai de encontro a praticamente tudo que acontece hoje em dia em qualquer lugar e em qualquer setor. A Marvel não ficou com medo de botar consequências pesadas na disputa e a saga toda possui uma atmosfera tensa pairando sobre ela.
Barba Ensopada de Sangue – Daniel Galera
Uma obra agridoce que nos permite acompanhar a jornada de autodescobrimento do protagonista – não aquele autodescobrimento COMER REZAR AMAR, pontuado por biscoitos da sorte e lições edificantes, mas sim uma descoberta de como a personagem reage às coisas, faz as coisas, quer fazer as coisas. Daniel Galera é um excelente contador de histórias e, em Barba Ensopada de Sangue, cada passagem é aproveitada com cuidado para que possamos nos banhar em uma leve melancolia enquanto acompanhamos o protagonista quebrando paredes, pedalando, cuidando do cachorro. É daqueles livros que te deixam olhando para a parede ao final por muito tempo – um final tão interessante que devorei as últimas quarenta páginas como um gordo em um buffet.
Garota Exemplar – Gillyan Flinn
A trama de Garota Exemplar é excelente, envolvente, repleta de reviravoltas e revelações acachapantes. E Gillyan Flinn bota tudo no papel com um ritmo ágil, jamais deixando o livro descambar para o finalzinho de tarde de um domingo. Entretanto, como narradores, Nick e Amy são espertinhos demais, malandros demais, sempre desconstruindo tudo com sarcasmo e desprezo. Qualquer coisa é imediatamente captada e julgada por eles, que na narração se colocam acima de tudo. Essa onisciência afasta o leitor e tira muito o impacto dos eventos, tornando Garota Exemplar uma ótima história, mas completamente estéril com relação à suas personagens.
A Vingança do Timão – Carlos Morais
Já tinha comentado aqui sobre Agora Deus Vai Te Pegar Lá Fora, primeira obra do autor que li e uma aula de como ser cativante. A Vingança do Timão é um livro um pouco menor, menos ambicioso, mas estão lá o doutorado em sensibilidade de Carlos Morais e sua capacidade de criar personagens com as quais nós nos importamos. Seguindo uma turma de garotos do interior com a destreza dos dribles do Dorinho, o escritor constrói um universo rico em eventos, dúvidas, aprendizados, erros, desconfianças, acertos, e, claro, futebol. Passagens genuinamente engraçadas (“um chute que fez o Mudinho Nicolor gritar pela mãe”) sentam para tomar café em harmonia com outras mais melancólicas, resultando em uma narrativa belíssima que dá uma abraço bem apertado no coração do leitor.

Todo mundo é de ferro

Homem de Ferro 3 (Iron Man 3)
3/5

Direção: Shane Black
Roteiro: Shane Black e Drew Pearce

Elenco
Robert Downey Jr. (Tony Stark)
Gwyneth Paltrow (Pepper Potts)
Ben Kingsley (Mandarim)
Guy Pearce (Aldrich Killian)
Rebecca Hall (Maya Hansen)
Don Cheadle (coronel James Rhodes)

Traumatizado após enfrentar um monte de CGI em Os Vingadores, Tony Stark tem problemas pra dormir, problemas com Pepper e passa o tempo construindo homens de ferro para serem seus amigos e jogarem Imagem & Ação com ele. Mas daí um terrorista chamado Mandarim começa a tocar o terror nos americanos e, para proteger seu país e seus amigos e sua noiva e seu ego, Tony veste a armadura e sai pra descer o sarrafo na galera.
Homem de Ferro 3 é o típico filme da Marvel: preguiçoso, seguro, se apoiando em piadinhas e efeitos especiais (e, no caso específico do Homem de Ferro, um protagonista completamente em chamas). É a fórmula de sucesso da FIRMA, e aparentemente vão investir nisso enquanto a galera continuar dando milhões de verdinhas para assistirem aos filmes – mas, se por um lado isso garante a comida no prato dos executivos da Marvel, por outro acaba resultando em coisas completamente desnecessárias, fazendo com que Robert Downey Jr. tenha que se desdobrar para que o filme não enferruje (desculpem).
A única pessoa do mundo que realmente tem problemas se esquecer onde deixou o carregador.
Mas há de se convir que, na real, a franquia é um grande playground/plataforma de exposição para o Beto Downey. E ele faz por merecer: compondo Tony Stark com uma energia frenética, inquieto, decidido, carismático ao extremo e com um timing cômico aniquilador, o ator pega o espectador pela mão e carrega ele até o final do filme – um competente e divertido showman. E em Homem de Ferro 3 ele trabalha junto com um elenco competente, que consegue criar cada personagem única e bem definida – com grande destaque, claro, para Ben Kingsley, que só não disputa corpo-a-corpo com Robert Downey Jr. porque aparece menos tempo. Ah sim, o Guy Pearce fica meio atrás dessa turma, mas ao menos aqui a maquiagem dele não é fracassada (abraço, Prometheus).
Infelizmente, o talento dessa galera atuante não é explorado como poderia porque, bem, porque Homem de Ferro 3 não tem exatamente uma história. É tipo uma colagem de piadas e cenas de ação e encheção de linguiça desenfreada. E não falo aqui nem de desenvolvimento de personagens ou de conflitos emocionais (apesar da coisa do trauma de Vingadores tente fazer isso, e há uma possibilidade nunca explorada de fazer algo no estilo “biologia x máquina”, nunca concretizado), porque exigir isso de um blockbuster é meio que um convite à decepção (embora aconteça), mas do próprio andamento da trama. A impressão geral é a de que, após o Mandarim brincar de Lego com a casa do Stark, a produção fica enrolando pra ter mais tempo de tela. O investimento na história é tão raso que sequer há um motivo para o vilão fazer o que faz. Ele simplesmente comete atrocidades, e tem um plano completamente elaborado e tal, e aparentemente faz tudo isso para evitar o tédio, já que a película nunca explica o objetivo dele com toda essa balbúrdia. Isso torna Homem de Ferro 3 lento, arrastado, uma versão cinematográfica de domingo. E mesmo que tenha momentos inspirados ao longo da projeção (a forma inteligente com a qual Tony chuta a bunda de uma mina lá ou vários dos diálogos do protagonista), o filme volta e meia apela para soluções forçadas, como o inexplicável holograma do teatro (onde a linha divisória entre tecnologia e mágica é praticamente inexistente) ou diálogos ridiculamente expositivos (como quando alguém fala “então você vendeu para o Mandarim?”, algo que já ficou claro na introdução do filme. Até na sinopse, se bobear).
Shane Black dirige o filme de forma competente, mas meio automática. Tem uma visão boa da ação e consegue deixar claro o que está acontecendo e quem está envolvido (algo particularmente difícil na finaleira, quando a robozada entra em cena sem piedade), mas, com exceção da já citada cena onde a casa literalmente cai (que é tensa pacas e consegue ser surpreendente), não há nada realmente empolgante ou envolvente. Não que seja ruim, também, apenas segue a cartilha com eficiência. Os efeitos especiais são espetaculares, e só aquela cena do avião já seria de dar tapinhas nas costas, mas isso já estava previsto no preço do ingresso (os efeitos sonoros são incrivelmente incríveis, também. Mereciam um Grammy). Toda a parte técnica, aliás, é bem redondinha, e até mesmo o cuidado com o design das várias armaduras é uma atração à parte (faltou alguma que fizesse homenagem ao Wall-E, mas ok, fica para a próxima).
Ou seja, Homem de Ferro 3, assim como o 2, é mais um filme insosso nesse grande buffet de INSOSSIEDADE desenfreada que são os filmes da Marvel. Tem momentos divertidos, é bem produzido, alguns diálogos bons, algumas piadas engraçadas, algumas cenas de ação legais, mas fica muito em terreno seguro, não tenta se arriscar a fazer melhor. Provavelmente venha uma quarta película por aí, mas, pela forma como os últimos dois filmes não fizeram jus ao ótimo primeiro, talvez seja a hora de Tony pendurar a armadura.