Mostra, cinema, São Paulo

Na semana passada, embarquei em uma peregrinação por todas aquelas ruas de São Paulo que aparecem no Banco Imobiliário, alternando cinemas e bares para conferir filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e provar aquela conhecida felicidade diluída em álcool e cevada (na verdade, graças à programação de última hora, consegui assistir apenas a seis filmes – se vocês quiserem uma cobertura realmente boa da mostra, confiram os perfis do Pablo Villaça, Ânderson Rodrigues e Márcio Sallem). Mas enfim, vamos a curtos e irrelevantes comentários sobre os filmes assistidos:
Saudações de Tim Buckley – 2/5
Poucas vezes na vida vi um protagonista tão chato e irritante quanto o Jeff Buckley deste Saudações de Tim Buckley. Mudando de personalidade de acordo com as necessidades do roteiro – Jeff uma hora está brabinho, e, logo depois, canta em uma loja de discos – e com o ator Penn Badgley usando a expressão “FAZENDO BIQUINHO DE BIRRA” como muleta de interpretação, Jeff é um grande buraco negro que suga todo o filme com ele. Não que exista muito o que sugar, já que o roteiro não desenvolve bem as tramas, preferindo atirar cenas à esmo (em certo momento, uma personagem diz “eu só gostaria de viver aquela noite de novo”, e jamais fica claro a qual noite o sujeito está se referindo) e investir em flashbacks cuja única função é não fazer sentido nenhum. Com a direção burocrática, a única coisa que salva mesmo é a atuação carismática e a beleza ACACHAPANTE de Iomegn Poots, que deixam o espectador de coração quente – ao menos até ela sair de cena e a abordagem desafinada de Saudações de Tim Buckley voltar a tomar conta.
Soldier/Citizen – 4/5
Após cumprirem os dois anos no exército, os soldados israelenses sem diploma do ensino médio podem fazer um curso de três semanas para adquirir o canudo. O documentário Soldier/Citizen acompanha um grupo que realiza esse curso, centrando principalmente em uma aula de Direitos Cívicos, onde os militares discutem com o professor uma série de questões políticas. Assim, é uma obra repleta de falatório, ainda que aqui e ali a diretora mostre um pouco da rotina do lugar (jogar cartas, playstation, ver TV, essas coisas que pessoas desarmadas também fazem). E é interessante – muito interessante, na verdade – ver como a mentalidade BARBUDOS JOGAM BOMBAS se desenvolve em temas como direitos humanos. Dá pra perceber que aquelas pessoas não são más no sentido CBF da palavra, mas cresceram aprendendo a odiar a turminha de Alá. Uma visão intensa e bastante esclarecedora de um dos lados daquele conflito aparentemente eterno, se aprofundando além dos estereótipos fáceis e jogando questionamentos difíceis na cabeça do espectador. Como um dos soldados mesmo falou, “Aqui o conflito envolve religião. Eles aprendem a nos odiar, e nós aprendemos a odiar eles, talvez até mais”.
Gente Fina – 3/5
Gente Fina é daqueles filmes que, se passando em um universo que pende para o absurdo, cujas personagens possuem características marcantes o suficiente para gerar humor. Assim, a película consegue ser bastante divertida sem aquela coisa de “VAMOS BOTAR UMA VELHINHA MOSTRANDO O DEDO DO MEIO ISSO É ENGRAÇADO”, investido em sacadas genuinamente engraçadas. É uma pena, portanto, que a trama e a direção sofram de crise de labirinto, tornando-se completamente desorientadas em alguns momentos (certas elipses fazem a história saltar bizarramente, e o filme aqui e ali simplesmente ignora eventos importantes), além de colocar dramas de SUPETÃO no meio da balbúrdia. Ainda assim, vale pelas risadas e pelo elenco.
Desculpe Incomodar – 2/5
Se o universo de Gente Fina pende um pouco para o absurdo, o de Desculpe Incomodar se regozija nele, envolvendo cachorros, diretores de teatro e sonâmbulos em uma viagem bem fotografada (as cores fortes e os enquadramentos elegantes saltam aos olhos), mas com um roteiro pouco inspirado e calibrado. Na real, existem bons momentos e reviravoltas impactantes, mas parece não existir uma linha narrativa principal – a história do pai da Helene, por exemplo, é largada de mão na metade para depois surgir do nada em um diálogo e, tal qual o segundo lugar de uma competição, ser logo esquecida. Assim, Desculpe Incomodar parece mais um aglomerado de cenas esquisitas, sem saber direito qual direção tomar ou como amarrar as tramas (algo que o filme faz de forma desonesta no final, sem revelar uma informação ao espectador). O elenco é assaz competente, entretanto, e a trilha é vitoriosa ao extremo, ajudando a criar uma intensidade sempre que possível. Pena que o resto não ajuda muito.
111 Garotas – 3/5
Durante muito tempo deliberei sobre o que pensar a respeito de 111 Garotas. Quer dizer, é um filme bem dirigido, fotografia bacana, divertido, engraçado, com ótimas sacadas e atuações. Só que alguns desses elementos contrastam com o plot, o início e o final do longa, que são extremamente dramáticos e com uma carga pesada. Assim, a película é bastante envolvente e cativante, mas a toda hora tem aquela parte paranóica do cérebro que fica dizendo “peraí, essas minas querem se matar, isso é coisa séria”, o que compromete um pouco a coisa toda. No geral, 111 Garotas funciona muito bem e é bastante único e curioso para valer uma olhada, principalmente se você é uma daquelas pessoas que não levam suicídio em massa muito a sério.
As Vantagens de Ser Invisível – 3/5
(não faz parte da mostra, é do circuito “tradicional”, mas, como assisti, resolvi comentar)
Imaginem um daqueles típicos filmes de colégio americanos escritos pelo TUMBLR e vocês têm As Vantagens de Ser Invisível. Todos os elementos estão lá – a necessidade de ser aceito, os grupos sociais, o professor legal, os bailes, os deslocados que na verdade são os mocinhos -, apenas maquiados com trilha alternativa e aquela coisa meio “carpe diem dessaturado” que tomou de assalto a galera hipster. Mas é uma produção eficiente, dinâmica, que na maior parte do tempo é interessante e prende o espectador (principalmente graças à atuação de Ezra Miller e da Emma Watson). A vaca vai pro brejo quando entram os conflitos, que, completamente forçados, parecem ter sido colocados ali só porque algum produtor achou que a coisa ia ficar muito INSTAGRAM e um pouco de infelicidade era necessária – sem contar que os acontecimentos envolvendo Charlie no terceiro ato destoam por não terem sido bem trabalhados ao longo da projeção, resultando em uma tentativa fracassada de catarse dramática. Mas o resultado final é bastante agradável e certamente fará você sair do cinema sentindo-se bem e único. Além disso, Emma Watson.

Manhã de sábado.

Sábado de manhã estava eu lá na José Bonifácio, me perguntando o que eu fazia já acordado em um sábado de manhã e observando casualmente a ode ao contato humano que é aquele brique da redenção. Eu estava na calçada do lado contrário à redenção, onde ficam umas igrejas e a confeitaria Maomé, parado perto de um cafezinho que tenta emular o arquétipo dos cafés franceses. O movimento no brique é sempre intenso, e eu com frequência tenho a impressão de que as pessoas que por ali circulam têm meio que um sorriso orgulhoso no rosto, uma espécie de satisfação adicional por fazer parte de uma tradição da cidade, como se comprar cuias artesanais e acessórios rústicos bonitos ajudasse a justificar um eventual bairrismo.
De repente vem caminhando na minha direção uma mulher. O rosto dela era bastante triangular, e um pouco marcado também. Talvez uns quarenta e cinco anos. Tinha uma expressão bastante dura, mas não o tipo de expressão que é uma reação a um evento específico, e sim o tipo que é construído ao longo de muitos anos de jornadas de 10 horas de trabalho por dia, de filhos acidentais, de ter sempre que colocar suas ambições de lado para conseguir fazer a vida funcionar. O cabelo era de um loiro mais desgastado e vinha preso, com alguns fios revolucionários desafiando o status quo. Vestia um sobretudo vermelho bem vivo, que era realçado ainda mais pela lã grossa e pelos contraste com os botões pretos, abotoados até em cima em um exagero desnecessário para a temperatura. A passada era tranquila, mas a postura, com os braços puxando as lapelas do sobretudo em direções opostas, como se tentando fechá-lo ainda mais, denotava uma postura defensiva diante do mundo.
Ela veio em linha reta, objetiva, sem desperdiçar nenhum movimento com floreios ou chistes desnecessários. Talvez, por isso, seu único gesto destoante tenha chamado a minha atenção: sem interromper ou sequer diminuir a caminhada, ela virou um pouco o rosto na direção do brique, onde trabalhadores acostumados a madrugar e à estrada organizavam as peças artesanais tão bem construídas, e fez um discreto aceno de mão chamando alguém. Imediatamente um rapaz jovem percebeu a dança. De altura mediana, queixo quadrado, cabelo moreno e curto e roupas ligeiramente surradas, ele rapidamente terminou de carregar o caminhão velho ao lado e atravessou a rua sem alarde, como se aquele fosse o seu caminho natural. Ao se aproximarem, eles não se cumprimentaram. Sequer esboçaram uma reação de que se conheciam. Apenas caminharam juntos, durante meia quadra, e pararam naquele que é o ninho de todos os românticos do mundo: atrás da banquinha de cachorro quente.
Eles estavam na mesma calçada que eu, ou seja, atrás da banquinha fechada ficavam escondidos de todos os olhos do brique. E estavam bem ao meu lado, ela, alta, com uma falsa postura nobre, rosto castigado pelo tempo e pelos anos, ele mais baixo, mas também com aquele ar de cansaço que apenas uma vida difícil consegue conferir. A poucos metros dali, aguardando na frente de uma porta gradeada, Mark Lanegan rasgava letras sombrias no meu ouvido. Iniciaram uma conversa destinada a ser longa. Provavelmente envolvendo discussões a respeito de encontros secretos, famílias desunidas, status sociais, a desaprovação da sociedade, decepções, ilusões e corações sagrados.
Mas eu fiquei ali, ouvindo música e ignorando a conversa deles, sem ouvir uma palavra do que diziam. Qualquer um que possua a coragem de expor seu coração atrás de uma banquinha de cachorro quente tem a minha sensibilidade.

É tudo balela!

Esse negócio de “Campeonato Brasileiro é o melhor do mundo” porque “é o mais disputado” é tudo balela.
Se você observar o mapa da Europa, vai perceber que o continente cabe dentro do território do Brasil umas 2 vezes. Talvez daí tenha surgido essa mania de grandeza, vai saber.

Contudo, isso nos permite comparar países europeus aos nossos estados. Não quero aqui comparar a grandeza de equipes dos campeonatos inglês, espanhol, italiano, alemão, português, etc.. com o que nós temos nos estaduais tupiniquins, mas sim é possível traçar um paralelo sobre a competitividade, o nível de disputa.

Quais times ganharam o Campeonato Paulista de Futebol nos últimos anos além do Corínthians, do São Paulo, do Santos e do Palmeiras? Dois. O São Caetano em 2004 e o Bragantino em 19…. 90! Não dá pra dizer que tem tudo a ver com o Campeonato Inglês, por exemplo? Quais times ganharam o “Inglesão” nos últimos anos fora o Arsenal, o Manchester United e o Chelsea? –  e tem também o Liverpool que está na fila a bastante tempo, mas tem 18 títulos na prateleira – Pois é: dois! O City, que ganhou o último, e o Blackburn, isso lá em 1994.

Não fosse um título que o Palmeiras levou em 2008, eu ia compará-lo ao Liverpool…
E na Itália? É sempre Milan, Juventus e Inter.. parece Campeonato Carioca!!

Se você comparar, vai perceber que as coincidências são visíveis. Mas é aí que aparece a diferença, o que justifica a primeira linha desse post. Já imaginou o Barcelona jogando o Campeonato Brasileiro? Vai dizer que não ia ganhar?

O que o pessoal esquece é que, numa escala de 1 a 10, nossos times são média 7. Isso mesmo, média 7! Muitas vezes disputando estaduais com times média 3 ou 4, e olhe lá. Essa mesma diferença de médias se vê nos Campeonatos Espanhol, Italiano, Inglês, Alemão… só que lá esta diferença de 3 pontos de média se faz entre equipes nota 9, ou 10 às vezes, contra times 6 ou 7.

Existisse um campeonato europeu de pontos corridos, todos os anos, tenho certeza que teríamos diversos times brigando pelo caneco. Por isso eu digo aos comentaristas de plantão: é tudo balela!!