Retorno (II)

Durante sete anos (1994 a 2000, da quinta série ao final do ensino médio), este que vos escreve foi um orgulhoso, participativo e dedicado aluno marista. Orgulhoso, pelo menos nos primeiros anos, por estudar em um colégio da mesma linhagem de Rosário, Assunção e Champagnat (com o tempo, descobri que éramos o primo pobre desses outros, e o tal do orgulho foi pro saco). Participativo, pois cheguei inclusive a compor o grêmio estudantil da instituição durante 1999 e 2000, meus últimos anos por lá. E dedicado, porque… ah, eu nem era tão dedicado assim, deixa pra lá.

Pois no final de 2006, o Colégio Marista Irmão Weibert – “devido à sua má administração”, li num site – decretou a falência e foi comprado pela Arquidiocese de Porto Alegre, tornando-se o Colégio Senhor Bom Jesus (os mais memoriados leitores desse blog lembrarão que eu já falei sobre isso). E tal transação enterrou de forma definitiva um território com os qual eu havia criado laços, mas que não existe mais – não da forma como existia.

É estranho pensar o quanto a instituição – e não o lugar – carregava consigo a minha noção de território. Afinal de contas, o prédio de três andares com salas de aula, biblioteca e laboratórios ainda continua de pé; o ginásio continua lá, bem como a capela, o salão e as quadras de cimento, ao lado dos postes onde jogávamos espirobol. Mas o espaço físico em si não me diz mais nada: sabendo que não se trata mais do Irmão Weibert, daquele Irmão Weibert, passar ali pela frente é como enxergar uma cidade que, embora me pareça familiar, não me deixa à vontade, não me revela nenhum vínculo.

Ao contrário de outros territórios da minha vida, a este será impossível retornar, senão através de fotos, recordações e uniformes antigos guardados no meu roupeiro. O colégio continua lá, o lugar ainda existe; mas o território, o que realmente importa, este sim, desapareceu completamente.

Retorno (I)

Tudo começou em 2002. Vinte e oito de outubro, pra ser mais exato. E terminou cinco anos e (quase) quatro meses depois. Cinco anos de faculdade – de amizades, de aulas matadas, de sinuca, de cerveja na tia Vilma. Pois bem: em fevereiro dei adeus a esse mundo e me formei. Final de agosto, comecei a trabalhar na UFRGS. E na terça-feira última (16/12), tive de retornar à Fabico para acompanhar a cerimônia de transmissão do cargo de diretor.

Passamos boa parte da faculdade – eu e a maioria de meus colegas – reforçando a nós mesmos o quanto a Fabico era ruim. O quanto as aulas eram matadas, o quanto era ridiculamente fácil passar em algumas várias cadeiras, o quanto a estrutura, os professores e os servidores deixavam a desejar.

Mas colocar os pés novamente no ambiente fabicano provocou em mim uma sensação diferente. Um pouco porque muita coisa havia mudado por lá – o segundo e o terceiro andar são irreconhecíveis àqueles que, como eu, esperaram por muitos anos a saída da gráfica do prédio da faculdade e a reforma dos laboratórios de foto, áudio e vídeo do terceiro andar. Mas a sensação diferente não foi só essa.

Na verdade, o mais estranho foi sentir, lá no fundo, uma espécie de orgulho que nunca me tocou enquanto estive por lá. Olha para aquele prédio, entrar nele e ver novamente aquele espaço que por muito tempo foi meu território – o saguão, o auditório, a 408 (única sala do mundo com um pilar no meio), a mesa de sinuca do Dacom – me trouxe um tipo de alegria que eu não lembro de ter sentido nem quando entrei na faculdade, lá no longínquo outubro de 2002.

Começo a desconfiar que o sentimento de ser fabicano é mais ou menos o mesmo de ser porto-alegrense: a gente diz que a cidade é ruim, que não presta, que não aguenta mais ficar por aqui, mas é só algum estrangeiro reclamar (do frio, do calor, do congestionamento, do barulho, da provicianidade), que a gente bate no peito e diz: “Não fala assim: esse é o melhor lugar do mundo”. E daí dobra a esquina e reclama de tudo aquilo com o próximo proto-alegrense que a gente encontra.

Ao recepcionar o Vice-Reitor na entrada, tomei a liberdade de dizer: “Seja bem-vindo”. Eu não estava recebendo-o em uma unidade qualquer da UFRGS; eu o estava recebendo na minha casa. Porque eu descobri que, mesmo depois de dar adeus, lá em fevereiro, aquilo continua sendo meu território.

Retornos

Essa semana, depois de uma passada na Fabico (a trabalho), me ocorreu a idéia de escrever sobre Retornos.

Costuma-se dizer que a melhor parte de uma viagem é a volta pra casa; costuma-se dizer que “o bom filho à casa torna”; costuma-se dizer que não há lugar como a nossa casa. O fato é que, se as idas nos propiciam a descoberta do novo, as vindas nos restabelecem a segurança. Enquanto as idas nos apresentam novidades de tirar o fôlego, as vindas nos fazem respirar aliviados por estarmos novamente no nosso território.

Diante disso, pretendo escrever alguns textos sobre alguns Retornos meus – realizados, possíveis ou impossíveis. Não tenho a pretensão de iniciar uma série, até porque não sei até onde meus retornos podem resultar em histórias interessantes. Mas espero conseguir inspirar outros a fazerem o mesmo – quem sabe não seja uma forma de fazer com que os leitores retornem a esse blog, um tanto quanto esquecido nos últimos tempos.