For the land of the cheesy…

Lincoln
2/5

Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner, baseado em livro de Doris Kearns Goodwin.

Elenco
Daniel Day-Lewis (Abraham Lincoln)
Sally Field (Mary Todd Lincoln)
Tommy Lee Jones (Thaddeus Stevens)
Negros esperando que um branco os salve

Estamos nos Estados Unidos, no ano de mil oitocentos e é hora de ganhar outro Oscar. A Guerra Civil e a escravidão tornam os americanos mais divididos do que os gaúchos. Eis que o presidente SuperLincoln Lincoln resolve aprovar a décima terceira emenda, terminando o namorico com a escravidão. Mas, como só acabar com centenas de anos de escravidão não é o suficiente, ele precisa fazer isso sozinho, contra tudo e todos, sacrificando tempo com a família, sendo lembrado toda hora que não vai conseguir e lutando contra vampiros no meio do caminho (ok, eu posso ter inventado essa última. Ou outra pessoa pode ter inventado. Mas não seria tão destoante aqui).
Spielberg é um diretor talentoso pacas, que, embora sempre tivesse uma queda pelo piegas (como assim, final de Minority Report?!), com frequência conseguia se controlar e criar obras extremamente eficientes e envolventes (não é qualquer um que vai da trilogia Indiana Jones ao poderoso Munique). Entretanto, a verdadeira Bomba H contra diabéticos que foi Cavalo de Guerra parece ter se agarrado ao velho tio Steven, que, neste medíocre Lincoln, repete a artificialidade dramática e os clichês e a falta de desenvolvimento e, bem, a pieguice total para tentar fazer o público chorar.

Lincoln desolado após ler o roteiro do filme.

A não ser, claro, que o objetivo de Spielberg tenha sido mostrar em duas horas e meia como Lincoln é uma personagem icônica – nesse caso, não há como dizer que o diretor não se esforçou, já que fotografa ele de costas, de perfil, contraluz, levantando-se da cadeira de forma imponente (cerca de oito ou nove vezes durante o longa), enfim, utiliza todos os recursos iconicamente disponíveis. Aliás, o Lincoln de Spielberg é menos uma personagem e mais uma fonte de sabedoria definitiva sobre todas as questões mundanas. Por exemplo, toda vez que alguém pergunta algo, Lincoln não apenas responde; ele inicia com uma fábula sobre a situação e que ilustrará perfeitamente sua opinião sobre o assunto. Mas não há uma tridimensionalidade em cima do presidente, que parece apenas uma força da natureza destinada a encerrar a escrevidão e a guerra, e até mesmo diálogos que tentam conferir uma certa “complexidade” a ele, como aquele onde a esposa diz “você sempre culpou Robert por ter nascido”, surgem de forma súbita, sem antecipação nenhuma e tão artificiais quanto suco de saquinho.
Os diálogos do filme, a propósito, entraram no comportamento atual das redes sociais e se tornaram exibicionistas ao extremo, tentando expor de forma embaraçosa sentimentos e situações para que a história não precise perder tempo com isso – e, nesse tópico, Lincoln tenta martelar de forma inexplicável na cabeça do espectador como a situação é complicada para o presidente: diálogos como “nenhum presidente teve essa popularidade” ou “é impossível” ou “é a paz ou a emenda, você não pode ter ambas” ou “nós vamos perder tudo” pipocam a torto e a direito, como se a película acreditasse que sua audiência é formada apenas pela personagem de Guy Pearce em Amnésia. Isso torna a produção cada vez mais repetitiva e menos envolvente, ainda mais se somada ao fato de que a história apela para os tradicionais clichês Hollywoodianos e novelescos (o adversário é uma pessoa mesquinha, arrogante, praticamente um vilão; há o elemento que heroicamente muda de ideia na última hora; o drama do filho negligenciado surge apenas para criar mais um obstáculo e mostrar como Lincoln é altruísta; as regras são quebradas em prol dos negros no clímax para criar um momento mais edificante; e por aí vai) na busca pelas lágrimas, mas tudo que consegue é a incredulidade de que profissionais experientes realmente apelaram para aquilo.
Diretor talentoso e que manja do riscado, Spielberg cria enquadramentos elegantes e bonitos (como todos os icônicos já citados), mas, tal qual um funcionário público, não vai além do que o mínimo para contar a história (lembro que até o Spielberg de Guerra dos Mundos era mais elaborado e sagaz). A direção de arte, por outro lado, chama no anabolizante total na fenomenal reconstituição de época, além de manter o figurino adequadamente sóbrio (algo que a fotografia realça através da utilização constante de sombras e de cores dessaturadas). É uma pena que John Williams, provavelmente ainda sob efeito dos mesmos alucinógenos que usou em Cavalo de Guerra, insiste em uma trilha que amarra o espectador na cadeira e aponta uma arma pra ele e diz pra ele o que sentir, pulando daquele lance engraçadinho que poderia estar em um filme da Disney até a dramaticidade absoluta, que só falta chorar pelas caixas de som do cinema. A falta de sutileza do filme se reflete também em sua trilha.
Ainda bem que Daniel Day-Lewis, esse camisa 10 elegante, essa Budweiser no meio de Heinekens, esse herói das multidões, pega o papel de Lincoln e despeja vitória ao longo da projeção. Carismático ao extremo, o ator investe em uma abordagem minimalista, construindo o presidente através de um tom de voz sereno, calmo, e uma postura ligeiramente curvada, como se estivesse com o peso do mundo nos ombros. Day-Lewis consegue fazer de Lincoln uma figura sólida e ao mesmo tempo cansada, o que se torna ainda mais impressionante pelo fato de que o roteiro não tenta fazer isso e só quer ficar cuidando pra ver quando alguém vai chorar. Completamente adaptado ao papel, cabe a ele conduzir o público pelas tramóias da película, realizando isso com sucesso apesar dos percalços ao redor – percalços que incluem a novelesca, artificial, crackeada atuação de Sally Field, que a todo momento utiliza trejeitos e gestos ensaiados na busca de uma intensidade que nunca vem e cuja indicação ao Oscar representa uma derrota na história da humanidade. Ao menos Tommy Lee Jones se propõe a tommyleejonesear e dá um pouco de vida a Thaddeus, apesar da forma unidimensional e estereotipada com que o roteiro trata sua personagem.
Tirando a cartinha “Revés” do Banco Imobiliário tanto como registro histórico quanto (e principalmente) como estudo de personagem, Lincoln parece querer provar a teoria de que as pessoas vão se tornando mais piegas conforme envelhecem. É um esforço preguiçoso e sem inspiração, que surpreende ainda mais por vir de um diretor tão acostumado a criar obras memoráveis. Assim, Spielberg entra no time dos que são escolhidos por último pela segunda vez consecutiva, o que nos deixa pensando: será esta apenas uma fase ruim? Ou será que o velho Steve, ao contrário do presidente que retrata neste filme, decidiu simplesmente seguir pelos caminhos mais fáceis?